A mudança de postura

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Os dias foram passando e, pelo menos, nos livramos do frio intenso dos primeiros meses do ano. Mas, a fome ainda nos incomodava muito e os nossos filhos ainda estavam doentes e em grande sofrimento.

No começo do mês de abril, enquanto aquele senhor cruzava o campo de refugiados, Parisa parou em sua frente, se ajoelhou desesperada e pediu perdão a ele, por tudo que era mais sagrado.

Yousef olhou para ela e com um semblante de desdém e disse:

- Vá a minha sala hoje a noite. Dependendo, quem sabe eu não te perdoo.

Logo em seguida ele continuou a caminhar sem dizer mais nenhuma palavra.

Parisa, engoliu seco. Naquele momento, ela tomou aquela atitude por medo, mas, ao mesmo tempo, engolindo também o seu orgulho. Ela era uma menina de uma família tradicional da cidade de Cabul e sempre teve uma vida muito luxuosa. O seu casamento foi arranjado por Marian quando ela ainda era adolescente e Parisa sempre teve uma vida muito confortável ao lado do nosso marido, que era um dos homens mais importantes da região em que morávamos.

A questão é que ela nunca teve que se sujeitar a nada e a ninguém, a não ser a Osnin, e sempre teve um orgulho muito aguçado. Quando me casei com Osnin eu percebia isso em suas ações. Ela sempre se julgava ser superior e Marian tratava de alimentar essa impressão nela. Quando caímos naquela situação, ela tentou entrar em contato com a sua família, mas, todos eles já haviam saído do país, pois pertenciam ao governo talibã. A maioria deles fugiu sem nenhum recurso para o Paquistão, assim que a guerra se tornou real. Eles não tinham como ajudá-la diante daquele contexto.

- Então, depois de tudo que te contei, caímos nessa situação totalmente atípica para ela. Ela teve que engolir o seu orgulho e se sujeitar aos desejos daquele homem, implorando para que ele a perdoasse, por ela ter o empurrado naquele dia em que ele queria abusá-la. Foi desesperador ver tudo aquilo. Afirma Sônya demonstrando tristeza.

- Eu e Parisa tivemos muitas diferenças. Brigamos muito e ela foi uma das grandes responsáveis pelo meu sofrimento durante o tempo em que fui casada, mas, jamais desejei mal a ela. Se pudesse ajudá-la nesse momento, certamente teria feito algo para tirá-la desse sofrimento terrível. Por mais que eu imagine, é impossível conseguir sentir o que ela passou, especialmente, quando ela perdeu o seu filho. Tudo isso é muito triste. Constata Aisha.

- Não dá pra descrever o que passamos Aisha. Eu estou tentando te relatar, mas, viver tudo isso na prática é muito pior do que você possa imaginar. A fome, não tem descrição. Ver os nossos filhos da forma que eles estavam é ainda mais doloroso do que qualquer sofrimento. Ver o Kevin morto, foi insuportável. Diz Sônya, quando começa a chorar ainda mais forte e Aisha se aproxima novamente para tentar confortá-la.

Após algum tempo a chorar, ela continua a relatar:

- Depois de tudo isso, Parisa ainda teve que ter forças para se sujeitar às vontades daquele homem para tentar salvar a nossa família. Ela agiu diferente de tudo que eu esperava dela. Parisa se tornou uma verdadeira guerreira diante daquele contexto. Uma grande líder, que estava a fazer tudo para que a nossa família não padecesse em meio a aquele pesadelo em que estávamos vivendo.

Algum tempo depois, ela me contou, que na noite daquele dia em que pediu perdão a Yousef, ela foi em sua sala, mas, para a sua surpresa, ele não estava lá. Então ela foi direcionada por alguns vigias até o quarto daquele senhor, que já estava a esperá-la.

Para ela, foi muito difícil tomar aquela ação. Parisa dizia que sentia um nojo sem precedentes daquele homem, que a sua vontade era matá-lo para se vingar da morte do filho. Entretanto, ela sabia que se fizesse isso, toda a geração da família estaria condenada.

Então, ela entrou dentro do quarto daquele homem. Yousef ao vê-la, sorriu intensamente, demonstrando ironia em seu semblante e disse: - Eu não disse que um dia ainda imploraria para que eu aceitasse me deitar com você? Sim senhor. O senhor disse e tinha razão. Eu peço perdão por tudo o que fiz naquele dia. Eu estava de cabeça quente e cansada da viagem, por isso tomei aquela atitude, sem medir as consequências. Afirmou Parisa com um olhar baixo, de acordo com o seu relato. Aquele homem querendo humilhá-la ainda mais intensamente, ordenou que ela se ajoelhasse e pedisse perdão a ele em uma posição de completa submissão. Parisa disse que pensou algumas vezes em não tomar aquela atitude, mas, quando a imagem dos filhos doentes vieram em sua mente, ela logo cedeu e se ajoelhou para pedir perdão a aquele homem, que a olhava sorrindo para ela.

Ficou muito claro para Parisa que o senhor Yousef não queria apenas o seu corpo. Ele queria provar aquilo que parte importante dos homens daquela cultura pensam: Que as mulheres não são dignas de ter sentimentos e opiniões. Que a força está com o homem e que os homens é que tem poder sobre o seu destino. Que elas devem obedecer as ordens dos homens sempre, sem ao menos hesitar.

Ao vê-la ajoelhada daquela forma, totalmente submissa as suas vontades, ele tinha certeza que havia conseguido o que desejava, mas, ele ainda queria mais...

Aisha ficou perplexa após essa constatação de Sônya. Tudo aquilo era muito terrível para poder imaginar o que aconteceria no final daquela história. Tudo que Aisha torcia em seu coração era que tudo tivesse ficado bem para toda aquela família, mas, ela temia que o final poderia não ser tão positivo assim, diante daquele contexto que estava a ser contado.

Me lembro que pouco mais de duas horas após sair da nossa barraca, Parisa retornou, chorando muito. Estava tudo muito escuro e não pude perceber o que estava a acontecer com ela. Quando a questionava, ela não queria responder. Tudo que ela disse foi que trouxe alimento extra, dado por aquele senhor e que precisava dormir.

Apenas no dia seguinte eu consegui entender o que havia ocorrido. Parisa estava com o seu rosto completamente marcado. Claramente ela havia sido intensamente violentada naquela casa. Eu a questionei quem havia feito aquilo, mas, ela se esquivou, dizendo não querer falar sobre aquele assunto.

Alexsander, assim que acordou, questionou também o que havia acontecido que ela estava com marcas em seu rosto, quando ela disse que havia caído na noite anterior. Claramente ela estava mentindo, as marcas estavam espalhadas por todo o seu rosto. Uma queda não iria fazer tantas marcas daquela forma. Parisa havia sido agredida intensamente naquela casa, entretanto, não sabíamos se isso havia sido feito pelo senhor Yousef ou por algum de seus capangas.

Logo naquela manhã, um dos seguranças daquele espaço, foi até a nossa barraca e pediu que arrumássemos nossas coisas. Iríamos para outra parte daquele campo. Parisa, mesmo em meio a um sofrimento terrível, esboçou um sorriso em seu rosto depois de muito tempo. Pelo menos uma boa notícia, depois de tantos meses. Certamente Yousef estava a cumprir a sua parte no acordo. Acordo esse que eu não sabia os termos e Parisa não me contava nada a respeito, talvez para me poupar um pouco de todo o sofrimento que estava a passar.

Mudando para a parte mais nobre do acampamento a nossa vida melhorou. Começamos a nos alimentar melhor. As crianças estavam mais fortes. Éramos melhor tratados pelos nossos vizinhos e tudo estava a ficar mais agradável, pelo menos para nós da família.

Para Parisa eu já não posso dizer o mesmo. Ela, pelo menos, umas duas vezes por semana, saía pelas altas horas para um lugar desconhecido, que eu já imaginava onde era. No outro dia, quando eu acordava, ela estava com novas marcas em sua face e em outras partes do seu corpo. Eu achava que depois de descontar a sua ira naquele primeiro dia, o senhor Yousef iria se controlar e perdoar Parisa. Mas, eu estava enganada. Aquele homem parecia sentir prazer em humilhá-la cada dia mais, até provar que ela era um mero objeto para ele, um pedaço de carne, o qual ele podia fazer tudo que quisesse, inclusive surrá-la até que ela não suportasse mais.

Em uma das saídas de Parisa, esse momento, infelizmente chegou. Aquele senhor sanguinário ou os seus capangas, bateram tanto em Parisa que ela não suportou e foi levada desacordada para a nossa barraca. Quando eles a colocaram em um dos pontos daquele espaço em que nossa família estava a dormir, eu fiquei desesperada. Questionei a aqueles homens o que havia acontecido e eles não me disseram nada, só a deixaram e saíram.

- Que absurdo tudo isso! Coitada de Parisa! Disse Aisha com um semblante aterrorizado.

Casamento forçado e abusivo IIOnde histórias criam vida. Descubra agora