Eu só despertei no dia seguinte. Estava em uma casa simples, com Parisa ao meu lado, juntamente com as outras crianças. Vi os olhos de Alexsander ainda marejados de tanto chorar. Quando questionei se tinham notícias de Marian, Parisa me respondeu que homens daquela tribo foram anoite em busca dela, mas não a encontraram.
Naquela manhã, com o sol a iluminar aquele local, eles retornaram a busca no caminho que ela havia indicado e eles encontraram aquela senhora, morta pelo frio em meio a montanha. Me lembro que lágrimas logo brotaram involuntariamente dos meus olhos.
Muito nervoso, Alexsander nos acusou de termos abandonado a sua avó, dizendo que não nos perdoaria nunca por termos feito aquilo. Quando Parisa, muito nervosa, lhe deu uma forte bofetada em sua boca, o fazendo chorar de forma intensa naquele espaço, se afastando imediatamente de nós, enquanto, em meio ao choro intenso, gritava de dor. Tentei acalmá-la, pegando em seu braço, quando vi que ele tremia muito. Todas nós, estávamos com os nervos a flor da pele.
- Eu sinto muito por tudo isso ter acontecido. Sinto muito por Marian ter morrido dessa forma. Eu não sabia. Afirma Aisha, demonstrando tristeza em seu semblante.
- Foi mesmo uma morte muito triste. Eu não sabia o que fazer no dia seguinte. Me sentia culpada. Mas, não estava a suportar todo aquele frio. Não consegui nem chegar na casa em que encontramos. Se ficasse por mais algum tempo com a nossa sogra, tenho certeza que todos nós morreríamos. Respondeu Sônya.
- Em meio ao frio do inverno do nosso país, eu não tenho dúvidas disso Sonya. Vocês fizeram o que tinham que fazer. Tinham que salvar as suas vidas e a de seus filhos e tentar encontrar ajuda para que a resgatassem. Afirma Aisha, demonstrando compreensão.
- Aquela foi a última vez que vimos Marian. Ela foi enterrada por aqueles homens na própria montanha que a encontraram. Eles trouxeram um bracelete que aquela senhora levava e era de família. Depois de algum tempo, passamos aquela lembrança para Alexsander, achamos que ele deveria ficar com aquela lembrança de sua avó que ele tanto amava e lutou para que ela tivesse forças para lutar pela vida. Afirma Sônya.
- E onde está Alexsander hoje? Eu estou com muitas saudades dele. Por ele ser mais velho, criamos uma amizade muito bonita enquanto estive casada.
- Ele está a morar aqui Aisha. Está a trabalhar e chega um pouco mais tarde. Se puder esperar até as 18 horas, poderá reencontrar com ele ainda essa noite.
- Mas, é claro que vou esperá-lo. Eu quero muito saber como ele ficou depois de adulto. Então Aisha, curiosa, volta a questionar sobre a continuidade da vivência naquele Vilarejo: - E como foi ficar com aquele povo? Vocês conseguiram se recuperar depois da morte da nossa sogra? Questiona Aisha, quando Sônya continua a relatar os fatos que estavam presentes em sua memória.
Aquele povo, nos acolheu por algum tempo, até que nos recuperássemos. Alexsander ficou por muitos dias sem conversar comigo e com a sua mãe. Ele estava mais chateado com ela, por ter tomado a decisão de partir e ter o levado a força.
Mas, com o tempo, ele foi compreendendo o contexto e começou a conversar com ela novamente. Depois de duas semanas naquele vilarejo, eles prometeram nos levar até um campo de refugiados na região de Herat, que já estava sobre o comando do exército invasor. Ao saber dessa informação, ficamos muito surpresas, de como aqueles grupos rebeldes conseguiram dominar aquela região tão rapidamente. Logo aqueles homens nos explicaram que as famílias mais ricos da região de Herat ao ver que os Talibãs estavam a perder a guerra, mudaram de lado e receberam os ocidentais de braços abertos.
Eles disseram também que graças a essa mudança de lado, aqueles campos de refugiados estavam recebendo alimentos e remédios dos países invasores, algo fundamental para que os refugiados fossem recebidos com certa dignidade. Aquela fala nos deixou mais esperançosos. Recuperados e com as nossas crianças mais fortes, no começo do mês de fevereiro de 2002, partimos em uma carroça controlada pelos homens daquela tribo rumo a um campo de refugiados mais próximo da cidade de Herat.
Eles nos transportaram por cinco horas em meio a aqueles vales da região. Depois de alguns quilômetros, tivemos que descer das carroças, e caminhar, pois a descida do vale era muito íngreme, fazendo com que fosse impossível passar com as carroças. Aqueles homens nos acompanharam por algum tempo, montados a cavalos, sem as carroças, quando avistamos de cima de um vale o campo de refugiados. Naquele instante, eles nos cumprimentaram, se despediram de nossa família, nos desejando boa sorte e partiram de volta para casa, com medo de escurecer e eles terem que passar parte da noite na mata, o que era muito perigoso em meio a aquele inverno rigoroso.
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Casamento forçado e abusivo II
General FictionApós passar por muitos percalços em sua história, Aisha consegue finalmente se livrar do seu casamento e tenta construir uma nova vida. Entretanto, os fantasmas do passado a assombram constantemente e ela tem dificuldades de superar os seus diversos...