Existe um momento em que os sofrimentos já foram tantos que algo se rompe. Lá no fundo, como um engenhoso e perigoso mecanismo de defesa, os portões de nossa alma vão se fechando um a um, até que não sobra nada a não ser um imenso vazio. Nenhum sentimento bom ou ruim, apenas a ausência.
Quando Paul parou o carro atrás do armazém abandonado que Anahí pedira, estremeceu. A imagem que encontrou era atordoante. Sentada no chão, encostada na parede úmida de madeira, Anahí tremia. Os olhos fixos nas mãos ensaguentadas.
Paul: Any? – Chamou-a, descendo apressado do carro. Ela não respondeu. – Hey... – Nem mesmo quando Paul se abaixou ao lado dela, os olhos azuis se desviaram das mãos sujas de sangue. – Anahí, olhe para mim. – Pediu, tocando seu queixo.
Foi devagar que o rosto dela se moveu e seus olhos encontraram os dele. As lágrimas caíam constantes num choro silencioso, lavando a face cansada.
Paul: Any, o que foi que aconteceu?
Anahí: Acabou. – Murmurou depois de longos segundos em profundo silêncio.
Paul: O que acabou? – Tentou entender. Ela estendeu as mãos trêmulas, cerrando os lábios para conter o choro. – Any, que sangue é esse? Você tá machucada? – Ela balançou a cabeça em negação. – Você parecia bem no telefone, eu não entendo... Onde está o detetive?
Quando Paul perguntou de Alfonso, o choro se tornou mais intenso. Ela suspirou como se lhe faltasse o ar, então esfregou o rosto no braço e balbuciou:
Anahí: Eu matei o Rodrigo. E junto com ele matei qualquer possibilidade de ter uma vida normal. – Emendou em prantos. – Matei todo o sonho, todos os planos, toda e qualquer possibilidade de ser feliz. Matei qualquer futuro que eu poderia, e queria, ter com o Poncho. Sujei minhas mãos e minha alma. Morri quando o matei. – Concluiu.
Silêncio.
Paul demorou a digerir todas aquelas palavras. Ele, sinceramente, não tinha nada sábio ou reconfortante o suficiente para dizer naquele momento. Então preferiu o silêncio e um abraço apertado. Mas ela não se deixou ser abraçada por muito tempo. Lembram-se daquele engenhoso mecanismo que mencionei? Ele estava trabalhando numa velocidade frenética dentro dela, isso porque a dor que ela sentia era uma dor sem esperança. Não era o tipo de dor que vacila por um segundo e permite que você tenha aquele sentimento, ainda que mínimo, de que haverá um futuro melhor, ou de que o tempo irá apaziguar as coisas. Anahí estava enojada, cansada e destruída. Já não aguentava mais pensar no que fizera, tampouco aguentava conviver com os flashes dos momentos que passara com Alfonso. Não aguentava mais fechar os olhos e continuar enxergando a expressão decepcionada de Alfonso ou os olhos furiosos de Rodrigo enquanto padecia, perdendo para a morte. Ela precisava acabar com aquilo, ou enlouqueceria.
Anahí: Sou um monstro. – Disse, afastando-se dele – Tenho nojo de mim. – Paul suspirou.
Paul: Any, você não é um monstro. Você sentir que é um monstro já mostra que você não é um. – Já de pé, ela deu alguns passos lentos para longe dele – Any... – Disse, parando um pouco atrás dela – Você é só uma garota que tentou salvar as pessoas que ama. Sei que deve ter tido motivos para fazer o que fez. Não se culpe por isso.
Anahí: Vamos embora daqui. – Disse apenas.
Resignado, Paul caminhou calado até o carro. Conhecia Anahí o suficiente para interpretar aquele tom de voz. Ela não o ouviria, sabia disso.
Durante mais da metade da viagem, Anahí permaneceu calada. Os olhos perdidos nas árvores que passavam como borrões através da janela. Paul uma ou duas vezes tentou puxar algum assunto, mas não obteve sequer um olhar.
Anahí: Posso ficar no seu apartamento quando chegarmos?
Paul: Claro. – Respondeu e, depois de alguns segundos, arriscou a pergunta: – O que você pretende fazer, Anahí?
Anahí: Muitas coisas, Paul. Muitas coisas.
Paul: Que coi...
Anahí: Não se envolva. – Cortou-o – Sério.
Paul: Okay.
Anahí: Quando chegarmos, quero que ligue para a Maite. O Poncho provavelmente está lá. Preciso falar com ele.
Paul: Pessoalmente? Não sei se é uma boa ideia. – Ponderou.
Anahí: É uma boa ideia. – Assentiu. E não deu margem para que ele contestasse.
E foi do apartamento de Paul, enquanto Anahí tomava um rápido banho, que ele ligara e falara com Maite.
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Let Me Go
FanfictionEra só para ser mais um trabalho. Ela o faria, o deixaria e seguiria a sua vida. Autossuficiente demais, fria demais, sádica demais, Anahí Portilla era incapaz de amar qualquer pessoa que não fosse ela mesma. Acontece que o destino adora pre...