Capítulo 144

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Anahí estava paralisada, os olhos vidrados na porta fechada. Uma lágrima solitária insistiu em cair, traçando uma linha molhada em sua bochecha. Ela respirou fundo, tentando desfazer aquele terrível nó em sua garganta. Não adiantou. Então mais duas lágrimas caíram. Aquilo doía. Ela viu-se com as mãos cerradas junto ao peito, as unhas cravadas nas palmas das mãos.

Anahí: Droga... – Lamentou num murmúrio.

Então foi só impulso. 

Ela não sabia dizer o que a fizera atravessar a sala correndo e escancarar a porta. Tampouco sabia explicar o porquê estava atravessando o corredor aos prantos.

Alfonso ainda estava ali, parado em frente ao elevador, a cabeça baixa.

Anahí: Poncho... – A voz saiu esganiçada.

Ele levantou o rosto, encarando-a. E não entendeu o que ela estava fazendo parada no meio daquele corredor, descalça, o peito subindo e descendo numa respiração pesada e descompassada. 

Alfonso: O que você quer, Anahí?

Any meneou a cabeça, continuando o percurso até ele, correndo, diminuindo a distância até estar perto o suficiente para se atirar em seus braços. Não houve tempo para que ele processasse o que estava acontecendo. Abraçando-o, Anahí se adiantou e colou seus lábios nos dele numa urgência quase violenta.

Alfonso hesitou por um segundo, mas não se opôs. Logo estava lá, acolhendo-a como sua, como sempre deveria ter sido, como deveria ser por toda a eternidade. 

Enterrando seus dedos nos cabelos molhados de Anahí, ele envolveu sua cintura, tirando-a do chão e colando seus corpos. A língua procurou a dela com a mesma urgência, sentindo, saboreando aquele beijo que transbordava sentimentos acumulados, confusos e desesperados.

Anahí: Eu sinto muito, Poncho. – Disse ofegante. Os olhos fechados e os lábios ainda tocando os dele. Ela não estava raciocinando. Jamais em condições normais agiria daquela forma. Mas, ora, quando foi que ela agira com alguma coerência quando o assunto era ele? A relação dos dois era assim, intensa, maluca, contraditória e, talvez justamente por isso, tão inebriante. – Eu sinto muito, muito, por ter feito tanto mal a vo...

Alfonso: Shh... – Ele pediu silêncio. Precisava do silêncio. Seu corpo travava uma batalha com sua cabeça. Uma batalha que ele já sabia quem iria vencer. 

Anahí respeitou o pedido, abrindo lentamente os olhos para mirar um Alfonso atordoado. Os olhos dele estavam cerrados, espremidos. O cenho franzido. A expressão era de dor. Então ela recuou, recolhendo as mãos que ainda estavam ao redor do pescoço dele e dando um passo atrás. Foi aí que ele abriu os olhos. 

Os dois se olharam por longos segundos, calados. Apenas a respiração pesada ecoando nos corredores.

Alfonso: Eu não sei o que pensar, Anahí. – Disse, por fim, afundando os dedos nos cabelos.

Anahí: Eu... – Ela abaixou o rosto – Você mesmo disse que eu sou contraditória, não foi? – Arqueou a sobrancelha, tentando esboçar um sorriso.

Alfonso: Você não tem o direito de fazer isso comigo.

Anahí: Alfonso, eu não...

Alfonso: Eu não sou um brinquedo, Anahí. – Continuou. Aquela frase soava estranha saindo da boca dele. Mas, convenhamos, toda aquela situação era estranha. – Isso é desgastante. 

Anahí: Eu sei. – Assentiu. – E não penso que seja um brinquedo, Poncho. Eu não devia ter vindo atrás de você. Agi sem pensar. – Um riso seco e indignado saiu da boca dela – Não acredito que fiz isso, por Deus. 

Meneando a cabeça, Anahí virou-se, percorrendo o caminho de volta ao apartamento.

Alfonso: Vai mesmo fazer isso, Anahí? – Indagou. Alto. Quando ela já passava da metade do trajeto.

Ela parou, mas não virou-se para olhá-lo.

Anahí: Fazer o que?

Alfonso: Virar as costas e ir embora como se não tivesse acabado de me beijar. 

Anahí: O que você espera que eu faça? – Gritou, virando-se e sacudindo as mãos, as lágrimas voltando a cair. 

Alfonso: Que você assuma o que quer, Anahí! Que seja constante pelo menos uma vez na vida! – A voz de Alfonso tremulou. 

Anahí: Meus sentimentos por você são constantes, Poncho. 

Alfonso: Só sentimentos não bastam, Any. – Disse, cansado. Ela fechou os olhos. Há tanto tempo ele não a chamava assim. Aquele pequeno apelido, tão simplório, parecia extremamente sonoro saindo dos lábios dele.

Anahí: O que você espera que eu faça? – Perguntou baixo, mais uma vez. – Estou sendo constante na decisão de me entregar. – A frase terminou quase inaudível. 

Alfonso: Estou falando de nós dois, Anahí. 

Anahí: Ainda existe "nós dois" Poncho? – Ele suspirou. 

Alfonso: Você me diz que não, segundos depois corre até mim... – Alfonso ficou quieto, os olhos baixos. Meneou a cabeça lentamente e esfregou o rosto. Ela pôde ver nos olhos trêmulos e cansados que, naqueles poucos segundos, ele estava ali por inteiro. Vulnerável, sem muros ou máscaras. 

Anahí: É difícil pra mim também. – Respondeu. Se ele estava entregue, ela não poderia estar de outra forma. Deixou as defesas de lado e permitiu que ele visse a confusão por detrás de toda a certeza. – Eu também não sei como agir. – Prosseguiu – Na verdade, nunca soube como agir com você. Olhe só para nós dois... Veja o número de vezes em que meti os pés pelas mãos. Eu nunca, nunca, soube como lidar com tudo o que eu sentia por você. Era novo e contraditório demais. Acabei me perdendo...

Anahí suspirou, deixando que o silêncio falasse por alguns segundos.

Anahí: Eu tinha tanta certeza de quem eu era antes de você... – Continuou – Hoje eu já nem sei quem eu sou, Poncho. Mas sei que quero ser alguém melhor. E eu não posso ser alguém melhor carregando impunemente todos os meus erros. 

Alfonso: Apesar de tudo o que você passou, você tem uma visão muito romântica do que é uma cadeia, Any. Passar tantos anos trancafiada pode acabar com você.

Anahí: Os estragos não seriam maiores do que os que a minha própria consciência me faria caso não me entregasse.

Ele abaixou o rosto, encarando fixamente o chão. 

Alfonso: Isso não vai nos levar a lugar nenhum... – Murmurou.

Anahí: Não. Mas eu queria que não duvidasse do quão grande foi o amor que senti por você. – Foi. Senti. Ambos conjugados no passado. Ela não podia mais falar em presente, porque, caso falasse, talvez aquele pedido tolo, que estava na ponta da língua, pudesse escapar. 

Alfonso: Acho que não duvido.

Anahí: Obrigada.

Alfonso: Pelo que?

Anahí: Por não duvidar. E por salvar a minha vida. Várias vezes e de todas as formas possíveis. – Ele assentiu. Um sorriso triste e forçado no rosto. E então houve um silêncio pesado, melancólico.

Alfonso: Acho que essa é a minha deixa. – Disse enfim.

Anahí: Se cuide, okay?

Alfonso: Você também, Any.

Eles não romperam o espaço que havia entre os dois. Nenhum deles se atreveu. Alfonso simplesmente tomou o elevador e partiu, enquanto ela via a porta de aço se fechando e secava a pequena lágrima que rolava por seu rosto.

Anahí: Eu queria que me esperasse... – O pedido enfim saiu, num soluço, mas já não havia ninguém para ouvi-lo.

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