Anne 16

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Júlia pareceu ver o Papai Noel em pessoa.  

– Oh, meu Deus! Será que ele vem trazer o presente adiantado hoje? 

As vozes e os risos das duas atingiram uma oitava audível apenas por cães, e a excitação de ambas estava me dando nos nervos. Porque eu sabia que elas estavam muito animadas à toa, e eu não queria que elas me animassem assim. 

– ELE NÃO VAI VIR! - Gritei, sobrepondo minha voz às vozes delas. 

Júlia e Sophia olharam-me espantadas, sem sorrir agora, enquanto um silêncio constrangedor instalava-se no ambiente. 

Suspirei, tentando ficar calma. 

– Desculpem. 

– Tudo bem - Júlia disse, levantando-se e puxando dos braços de Sophia o travesseiro que ela ainda mantinha apertado - Você parece querer ficar sozinha. Vamos te dar um pouco de privacidade. 

– Não fiquem chateadas comigo, por favor. Eu só não quero que vocês acreditem nisso. Ele não vem. 

– Não estamos chateadas - Júlia falou, e felizmente eu consegui acreditar no seu tom de voz - Mas você deveria se deixar acreditar em milagres. Às vezes, um pouco de esperança é a única coisa que nos resta. 

Dizendo isso, saiu do quarto com Sophia em seus calcanhares, deixando a porta aberta. 

Talvez ela estivesse certa. Talvez esperança fosse a única coisa com a qual eu pudesse contar, mas eu temia o tamanho da queda se eu acreditasse que podia voar. 

De qualquer forma, no final das contas pude constatar que eu não estava totalmente errada. 

Ele não apareceu.

– Vamos ao shopping!  

A voz entrou em meu quarto rápido demais para meu raciocínio lento, enquanto eu deixava o livro de lado na cama e tentava identificar quem havia acabado de praticamente arrombar minha porta.

– Ah, estou bem aqui, Júlia. Te acompanho outro dia. 

– Ninha, não foi uma pergunta. E não há "outro dia", preciso comprar seu presente. 

– Não precisa não! 

– Qual é, Ninha - Interrompeu Sophia, entrando no quarto tão rápido quanto Júlia. - Deixa de ser desanimada, vamos passear! 

– Vocês não vão comprar nada pra mim! 

– Ei, você não manda na gente. Agora, levante-se e se vista. Nós duas já estamos prontas, e você está atrasando a programação do nosso domingo feliz. 

– Eu realmente prefiro... 

– Você não tem nada pra fazer aqui, Ninha! 

Vi a cutucada discreta de Júlia no braço de Sophia. Lembrei de como as duas estiveram felizes por ontem, pensando que eu receberia a visita de uma certa pessoa. Talvez estivessem se sentindo culpadas porque achavam que me fizeram acreditar nos devaneios delas, e de certo modo me agradou saber que aquele assunto não surgiria em nossas conversas hoje.  

– Podemos pegar um cinema. 

– É, tem alguns filmes em cartaz que parecem ser legais. Acho que todas nós optamos por uma comédia, certo? - Sophia perguntou.

– Sim! - Júlia respondeu pelas três. - Ninha, ainda estamos te esperando aqui. 

Certo. Elas não me deixariam mesmo em paz. 

– Ok. Vocês compram os presentes que eu escolher, certo? 

– Não vale escolher algodão-doce e ímãs de geladeira. Vamos te dar presentes de verdade! 

Droga. Elas me conheciam. 

– Vamos te dar dez minutos para se trocar, e se nós voltarmos e você ainda estiver de pijamas, se prepare para a fúria de Sophia Amorim.

Prendi o riso com a imagem que me veio à cabeça de uma Sophia minúscula fazendo ameaças e me dando soquinhos de criança. Assim, como ordenado por Júlia e Sophia, fui às compras no início da tarde de domingo.  

Tentei escolher presentes baratos e sem importância, alegando que "uma lembrancinha já estava bom", mas elas se negaram veementemente a aceitar minha atitude, e no final do dia estávamos, as três, na fila do cinema enquanto eu carregava um par de botas longas e pretas e uma bolsa de couro marfim. 

Vimos uma comédia com atores famosos, e não sei se era o meu estado de espírito, mas o filme era um tanto quanto sem graça. 

Mesmo assim, foi uma distração útil para tirar da minha cabeça a única coisa na qual eu vinha pensando desde o início daquele domingo.

Ele. 

Não que eu tivesse de fato começado a acreditar nas ilusões de Júlia e Sophia sobre Bruno, mas eu ainda estava incomodada com a atitude dele de fugir de mim. 

E o que mais me incomodava era que eu não conseguia entender, por mais que me esforçasse, o que diabos eu havia feito para que ele agisse daquela forma.

Seria meu aniversário no dia seguinte, e doeu ter quase certeza de que eu não o veria. De que ele não iria me ver.

Era até mais aceitável que ele já tivesse esquecido desse detalhe, mas o pior era que, mesmo que ainda lembrasse, o que eu achava improvável, ele me evitaria, assim como fez na noite de sexta-feira. 

– Gostou do filme? 

– É engraçadinho. - Falei, voltando de meus devaneios. 

– Nossa, você tem andado muito rabugenta esses últimos dias. Nada te agrada! O que aconteceu? 

Eu deveria contar o que realmente aconteceu? 

Deveria dizer a elas que eu estou apaixonada por um cliente e que ele parecia querer me evitar?

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora