Bruno 26

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– Bom, ela parece ser sua favorita, né? Todas nós ficamos surpresas por você ter ficado tanto tempo longe dela. Quer dizer, só quem pareceu não dar muita importância pra isso foi ela. 

Encarei-a sem saber o que falar. 

A verdade era que até eu mesmo estava surpreso de conseguir ficar tanto tempo longe dela, então não poderia julgá-las por sentir a mesma coisa. Mas agora, estava passando por um pequeno dilema. 

Por um lado, fiquei aliviado porque, se Anne não havia dado importância ao meu desaparecimento repentino, isso talvez significasse que ela não tenha ficado chateada comigo. 

Por outro lado, por que ela não havia dado importância? Ela não tinha dito que me queria por perto? Será que ela não fazia questão da minha presença?

Será que não sentia tanto a minha falta quanto eu sentia a dela? 

– Bom, você parece ainda estar se decidindo quem vai escolher hoje, então vou te deixar em paz. Ah, eu estou livre. 

Dizendo isso, piscou para mim e saiu rebolando da forma vulgar que eu bem me lembrava ser dela. 

Voltei minha atenção para o ambiente outra vez. 

Me sentia seguro estando em um lugar particularmente escuro e escondido, mas era uma questão de tempo até Manoella contar às outras meninas que eu finalmente havia aparecido, e meu esconderijo seria descoberto. 

Por isso, me permiti aproveitar ao máximo o tempo que tinha comigo mesmo. 

Eu deveria procurá-la? Será que ela estava ali? 

Talvez já estivesse acompanhada no andar de cima, e o pensamento fez com que uma dor me atingisse como um soco. 

Eu queria vê-la. Queria que ela estivesse sozinha e bem. Queria que nenhum filho da puta a tivesse machucado, e outra vez senti uma dor angustiante ao constatar que, se ela estivesse ferida, eu seria o culpado. 

Comecei a procurar em volta com mais urgência, enquanto tentava enxergar entre o numeroso grupo de homens no recinto. 

Alguém me ofereceu um whisky, mas como notei que a voz não era da pessoa que eu procurava, neguei a oferta sem dar muita atenção.

Duas meninas tentaram me seduzir para que eu pagasse pelo programa, mas eu nunca estive tão pouco afim de uma transa como naquele momento – o que era estranho, visto que eu estava há um tempo razoável sem sexo – então neguei. 

O problema era que toda a minha atenção – toda ela – estava voltada para a missão de encontrar Anne e falar com ela. 

O que exatamente eu falaria, ainda não sabia, mas na hora algo me viria à cabeça, nem que fosse um pedido de desculpas. 

Nem que fosse uma confissão da saudade angustiante que eu sentia dela.

Então, eu a vi. 

Em um canto distante da sala, ela parecia não pertencer àquele lugar, assim como no dia em que nos conhecemos. 

Talvez fosse impressão minha, mas algo em sua aparência me dizia que ela estava cansada ou triste. 

De qualquer forma, não pude deixar de admirar sua beleza óbvia, e me perguntei outra vez como não havia percebido isso no momento em que fomos apresentados. 

Talvez eu só estivesse mesmo muito animado por vê-la, mas mesmo com roupas casuais, completamente diferente de todas as outras mulheres, ela estava mais bonita do que eu me lembrava. 

Ignorei a ponta de raiva que percorreu meu corpo ao imaginar o motivo das roupas compridas, que mostravam poucas partes de seu corpo, e continuei encarando-a como se tivesse acabado de achar um tesouro. 

Agora que ela estava ali, tão perto, mesmo sem saber da minha presença, um alívio repentino me tomou completamente, e me dei conta de que aquele momento tinha sido, até agora, o melhor momento da minha semana. 

Mas seria o suficiente só admirá-la de longe? 

Meu corpo começava a responder a essa pergunta, se levantando sem que eu percebesse, mas parou imediatamente quando viu um homem aproximando-se dela e falando, com um sorriso no rosto, algo em seu ouvido. 

É verdade. 

Ela era uma garota de programa. 

A presença dela realmente me fazia esquecer de certos detalhes. 

Sentei novamente, com mais ódio do que achava ser possível sentir por um estranho, mas toda essa raiva irracional foi bloqueada por um interesse mórbido na reação de Anne. 

Ela não havia reagido como eu pensava. 

Eu a conhecia suficientemente bem para esperar ver nela um sorriso falso e uma aceitação contrariada, mas ao invés disso, vi uma garota agora com tanto medo que mal conseguia se mexer. 

Por que ela estava daquele jeito? 

Por que olhava para os lados com tanto desespero, como se quisesse se proteger em alguém? 

E por que aquele homem a segurava pelo braço, impedindo-a de ir embora? 

Que merda era aquela? 

Levantei-me outra vez, agora mais rápido, mas me mantive no lugar. Alguma coisa dentro de mim, loucura ou instinto, gritava e me fazia recuperar uma lembrança esquecida. 

Uma lembrança que eu fiz questão de esquecer. 

Uma lembrança que me apavorava, mas que, ao mesmo tempo, despertava em mim um instinto assassino. 

Um desejo de vingança esquecido. 

– Resolveu aparecer por quê? 

Era Júlia. E pelo pouco que pude dar atenção a ela, vi que estava com raiva. 

E pelo que parecia, era de mim. 

Talvez eu pudesse entender o motivo, mas antes tinha que me certificar de uma coisa. 

– Júlia, quem é aquele homem? 

Pude ver pela minha visão periférica que ela ainda mantinha uma postura ofensiva para mim, mas tomada pela curiosidade, se virou para a direção que eu apontava. 

Me virei para encará-la e vi nela a reação que eu temia. 

Eu nunca havia visto Júlia em pânico, mas podia dizer que aquela era exatamente a expressão que encontraria nela. 

E eu sabia o motivo daquilo.

Ela conhecia aquele homem. 

Aquele filho da puta. 

E eu sabia quem ele era. 

Mesmo sem nunca tê-lo visto, eu sabia só de ver o desespero de Anne.

Ela não reagiria assim a um cliente qualquer. 

– Pedro...

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora