Bruno 35

185 23 0
                                    

Olhei em volta um pouco surpreso e me dei conta de que estava na sala do meu apartamento, enquanto Duda me encarava de pé à minha frente. Pela sua expressão, aquele chamado não havia sido o primeiro. Nem o segundo. 

– Sim? 

– A porta estava aberta. Então eu entrei.

Há quantos dias minha porta devia estar destrancada? 

– Ah. 

Ela continuou me encarando, cheia de dúvidas.

– Vim fazer uma visita, já que não consigo falar com você. 

Eu já havia desconectado há muito tempo o telefone da tomada, e não fazia ideia de onde estaria meu celular naquele momento. Talvez jogado em algum canto, desligado, enquanto arquivava provavelmente umas oitenta ligações de Duda. 

– Ah... Oi. 

– Oi. - Ela falou, analisando minha expressão como se tentasse se convencer de que eu ainda estava vivo. Eu não respondi, encarando-a de volta sem me preocupar em parecer saudável ou consciente.

Duda suspirou, me olhando com tanta pena que chegava a ser humilhante. 

– Onde sua cabeça está?

Minha cabeça está com ela. 

– Eu só estava um pouco distraído. 

Ela me olhou profundamente, enquanto me analisava. 

– Você estava pensando nela, não é? 

É claro que eu estava pensando nela. Eu sempre pensava nela. Não havia um minuto sequer em que eu não estivesse pensando nela. 

– O que você quer aqui? 

– Eu quero falar sobre isso. 

Encarei-a sem vida, enquanto esperava que ela se explicasse.

– Bruno... Você está...

Morto. 

Eu estava morto. Não havia uma gota de vida sequer em mim. 

– Eu sei como estou. 

– Eu nunca te vi assim. Por que você não reage? 

– Porque eu não consigo. 

Ela continuou me olhando, mas agora vestia sua postura séria e decidida, como se estivesse prestes a dar uma ordem. 

– Ouça o que vou te dizer, e não ouse me interromper. 

– Edua... 

– Você queria ficar com ela, não queria? 

Ainda havia alguma dúvida quanto àquilo? 

– Não queria? - Ela reforçou a voz, deixando claro que aquela não era uma pergunta retórica. 

– Sim. 

– Tudo bem. Você sabe que, se ficasse com ela, teria que esconder toda a verdade da sua família e dos seus amigos. Para poupar tanto você mesmo quanto ela. Não é? 

– Sim. 

– E sabe que teria que andar sempre receoso com o fato de que ela poderia encontrar, a qualquer momento, um cliente antigo no meio da rua. E você, estando ao lado dela, teria que assumir o compromisso. 

– Eu sei... 

– Além disso, você teria que superar o fato de ela ter pertencido a tantos outros homens, e que se vendia para todos eles. 

– Eu... sei disso... - Fechei os olhos, tentando esquecer a vontade de chorar que estava quase me dominando. 

Por que ela estava fazendo aquilo? Por que estava me torturando daquele jeito?

– E no final das contas, ela poderia estar interessada só no seu dinheiro. A partir do momento em que você confiasse nela e desse a ela o que ela queria, haveria a possibilidade de você nunca mais vê-la. Assim como foi com Lauren. 

Abri os olhos novamente e a encarei, sem dizer nada. Ela estava numerando toda a merda pela qual eu passaria se ficasse com Anne. 

Eu sabia de tudo aquilo, então por que ela estava reforçando cada um desses pontos? 

– Agora, me diga uma última coisa: Dito tudo isso, todo o sofrimento pelo qual você poderia passar... Em algum momento você deixou de ter certeza de que era isso o que você queria? 

– Não. - Minha imediata resposta saiu com tanta convicção que eu mesmo me assustei - Se esse fosse o preço a ser pago para tê-la, eu pagaria. 

Então eu entendi. Eu entendi o que era aquilo, o motivo pelo qual ela estava falando aquelas coisas. Não era tortura, não era crueldade. Duda não estava tentando me fazer sofrer, apenas queria que eu enxergasse o óbvio.

Não havia como ficar sem ela.

Não adiantava me torturar tentando esquecê-la, não adiantava fingir para mim mesmo que conseguiria viver sem ela. Não adiantava ficar longe dela, porque cedo ou tarde eu acabaria tendo que voltar para ela outra vez, assim como nas outras vezes em que havia tentado me afastar. Era simples assim.

Eu tinha que estar com ela. Eu não a esqueceria. Eu me imaginei ao lado dela, passando por todas as dificuldades possíveis, e em momento algum enquanto Duda me fazia aquelas perguntas eu pensei que seria mesmo melhor ficar sem ela.

Não seria melhor. Seria como estava sendo. Seria um inferno.

Esses pensamentos demoraram menos de um segundo para pipocar dentro de minha cabeça, e a resposta de Duda foi igualmente imediata. 

– Então, Bruno, sugiro que você vá logo atrás dela.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora