Anne 22

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Durante todo esse tempo, senti a tensão de Bruno diminuindo gradativamente, mas nunca desaparecendo por completo. 

Ele ainda mantinha uma barreira invisível mas muito concreta entre nós, não me permitindo chegar muito perto dele e não se permitindo ser ele mesmo.

Quando dei por mim, já havia começado a escurecer. 

Olhei o relógio que marcava um pouco depois das 18h, então me mantive sentada e prestei atenção no lento ligar de luzes das casas, prédios e avenidas lá embaixo. 

Em pouco tempo, a cidade parecia um emaranhado de pequenas lâmpadas coloridas. 

Bruno estava certo. Era mágico. 

Contive a vontade adolescente que me tomou de pegar sua mão, repousada no chão ao meu lado, e ficar em silêncio enquanto o céu escurecia completamente. Contive essa vontade porque eu sabia que isso seria passar dos limites, e ele certamente se afastaria e voltaria a adotar a postura tensa do início daquela tarde.

Eu sabia que ele não tinha nenhum interesse real em mim, e se eu quisesse que aquela relação funcionasse, não podia deixá-lo saber que eu estava completamente apaixonada por ele. 

Porque essa era a verdade.

Eu estava apaixonada. Completamente apaixonada. 

E tudo seria lindo se isso fosse correspondido. E tudo seria perfeito se eu não fosse o que eu era. 

– Esqueci de avisar, nessa época do ano a noite fica um pouco insuportável aqui. 

Foi só quando ele falou que eu me dei conta de que estávamos cercados por mosquitos que insistiam em zumbir nos nossos ouvidos. Levantei-me ao mesmo tempo que ele, o que indicava que nosso dia havia chegado ao fim. 

O dia mais lindo de todos. 

Entramos no carro e Bruno dirigiu calmamente de volta pela estrada cheia de curvas. 

A volta foi rápida demais, então em pouco tempo já estávamos chegando à rua estreita e deserta que dava para os fundos da Casa de Rayana. 

Quando chegamos, saí do carro logo depois dele e esperei. Esperei por várias coisas, embora eu sabia que era melhor não criar expectativas. Mas era tarde, elas já estavam criadas. 

Esperei por um abraço de feliz aniversário. Esperei pela notícia de que ele pagaria pela minha semana outra vez. Esperei uma despedida ideal. Mas eu sabia que nada disso aconteceria. 

– Ei... - Comecei, tentando colocar um tom casual em minha voz - Você não me deu os parabéns. 

Imediatamente após dizer essas palavras, me arrependi, temendo que ele as tomasse como ingratidão. De fato, eu não precisava de um "Feliz Aniversário" vindo dele, porque ele havia me proporcionado o melhor aniversário da minha vida.

Mas ele não ficou chateado.

– É verdade. - E dizendo isso, me olhou profundamente. 

Um olhar tão intenso que eu podia sentir as ondas de calor e eletricidade que se chocavam entre nós. Fiquei presa naquele olhar por um tempo que eu não poderia medir, e então senti um toque em minha mão direita, caída ao lado do meu corpo. 

Sem tirar seus olhos dos meus, Bruno trouxe minha mão para cima e deixou um beijo suave e demorado ali. 

Fiz uma força sobre-humana para que meu corpo não tremesse como gelatina, então ele retirou os lábios de minha pele e continuou segurando minha mão na dele. 

– Feliz aniversário, Ninha. Que muitos ainda estejam por vir. 

– O-Obrigada.

– Espero que tenha se divertido hoje. 

Sem esperar por uma resposta minha, ele soltou gentilmente minha mão e se virou, caminhando de volta para o carro, e dando a partida, foi embora. 

Fiquei imóvel no mesmo lugar, olhando para o ponto no final da rua que o Volvo havia desaparecido, sentindo um leve formigamento no lugar onde ele havia deixado aquele beijo. 

Finalmente saindo de meus devaneios, entrei pelos fundos e fiquei aliviada em ver que a cozinha estava deserta. 

Passei pela sala onde já havia algumas meninas, mas não dei importância a nenhuma delas. Fui direto para o quarto e me tranquei lá.

Aquele tinha sido o melhor dia da minha vida. O fato de ser meu aniversário era apenas um detalhe. 

Ele passou o dia inteiro comigo. Ele escolheu pela minha companhia, embora não estivesse totalmente confortável com isso. Ele havia me dado um presente lindo, que agora chamava toda a atenção do meu quarto. 

Sem pensar, fui até o vaso e tirei, do meio das flores, o papel com a lista das diversas espécies que ali estavam. Deitei de bruços na cama e li uma por uma, tentando identificá-las. 

Depois de muito tempo nesse jogo, finalmente dobrei novamente o papel, pronta para guardá-lo em uma das gavetas e estudá-lo depois, mas ao encarar uma das quatro partes do verso do papel, fui pega de surpresa por algo escrito a lápis. 

A letra, embora parecesse estar ali por rascunho, era bonita e imponente, diferente da lista que trazia os nomes das flores, então imediatamente entendi que aquela caligrafia só poderia ser de Bruno. 

Desdobrei novamente o papel, para poder ler a frase inteira. 

Era uma citação. Uma citação que não fazia sentido estar ali.

Não fazia sentido...

 "Um covarde é incapaz de demonstrar amor. Isso é privilégio dos corajosos." Mahatma Gandhi

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora