Anne 4

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Acordei na manhã seguinte com o barulho da chuva. Uma chuva pesada, que resolveu cair de uma só vez naquela manhã de sábado.

Aos poucos o vento e as gotas pesadas me fizeram voltar à realidade. Abri os olhos tentando adaptá-los à claridade que as sete horas da manhã traziam, conforme informado pelo despertador posicionado em cima do criado mudo diretamente ao meu lado.
Permiti a mim mesma não me mexer, travando uma batalha épica contra minhas pálpebras. Aos poucos recobrei a consciência, o que me fez notar as dores no meu corpo enquanto tentava virar de barriga para cima na cama.

– Merda...

Não consegui ouvir minha voz, que saiu em um sussurro. Optei por permanecer de bruços por algum tempo, já que ficar imóvel parecia ser a única ação que conseguia desempenhar sem sentir dor

Foquei-me no barulho agradável que a chuva fazia do lado de fora sem querer raciocinar ainda, e me vi embalada por aquele som.

Podia jurar que indícios de um sonho começavam a se formar na minha imaginação quando fui assustada por um trovão, não muito forte, mas que ainda assim foi o suficiente para fazer com que eu abrisse meus olhos outra vez.

– Meeerda...
– Hhhmmppf...

O susto fez com que eu me virasse na cama mais rápido do que desejava. Senti novamente as dores no corpo se manifestando sem piedade, mas não foi o suficiente para que eu desviasse minha atenção do homem que, também de bruços, se mexia timidamente ao meu lado, ainda de olhos fechados.

Os cabelos de Bruno estavam, ainda que eu achasse impossível, mais desalinhados do que o normal. Seu rosto estava quase enfiado no travesseiro macio, e um lençol cobria apenas a área de seu corpo que não devia ser vista - a mais linda.
Continuei fitando-o, sem saber o que fazer, e então flashes da noite anterior vieram à minha memória:

Bruno pagou para ficar comigo durante o resto daquela noite. Nós fizemos sexo até as 4h da manhã. E então, nós apagamos na minha cama.

– Ah, merda...

Eu imaginava que ele fosse ficar irritado em acordar na cama de uma prostituta, mas isso era inevitável.

Ele despertaria a qualquer momento, então me veria ao seu lado, lembraria do que aconteceu e sairia da Casa de Rayana o mais rápido que pudesse.

Depois de alguns minutos pensando cheguei à conclusão de que talvez fosse melhor acordá-lo de uma vez e fazê-lo ir o quanto antes. Na verdade eu teria feito isso imediatamente se não estivesse admirando-o praticamente de boca aberta, como uma completa imbecil.
Não havia como negar: Bruno era absurdamente lindo.

Era uma beleza quase imoral, quase sobrenatural. Mas tudo nele conseguia ser tão perfeito, tão deslumbrante, que eu começava a me perguntar se aquela beleza era ao menos possível.
Como se pudesse ler meus pensamentos, ele sorriu. Um sorriso tão simples e tão devastador que me fez perder um pouco do fôlego, já instável pela situação. Devia ser um sonho bom ou no mínimo agradável para fazê-lo sorrir daquela forma tão doce, tão apaixonante...

Sem tirar os olhos dele, me peguei sorrindo de volta pelo simples fato de vê-lo sorrir, e desejei íntima e profundamente, sem nem saber por quê, que eu estivesse de alguma forma naquele sonho.

A chuva começou a cair com ainda mais força, por hora me libertando de meus devaneios.
Me levantei da cama com dificuldade e rumei para o banheiro, fechando a porta com cuidado ao passar por ela. Lavei o rosto e penteei meus cabelos com os dedos, sem sequer olhar para o espelho, deixando um bom banho para depois - depois que eu tivesse Bruno fora do meu quarto.

Passei meu creme lembrando das dores que sentia e vesti meu robe ao entrar novamente no quarto.

Ele não havia se mexido, o que poderia significar que estava dormindo profundamente.
Relutei em acordá-lo, sem saber se era porque não queria tirá-lo daquela paz que o cercava em seus sonhos, ou porque a presença dele ali fazia com que eu me sentisse leve.

– Bruno... - Sussurrei, dando um tapinha leve em seu ombro.
Ele não respondeu.
Repeti o tapa algumas vezes, mas ele parecia profundamente adormecido.
Em um ato extremamente ousado, permiti aos meus dedos entrarem naquele cabelo desalinhado e fofo, fazendo ondas e movimentos suaves. Mais uma vez meu fôlego ficou instável. Depois de alguns minutos fazendo isso, ele se moveu, o que me pegou de surpresa e me fez retirar rapidamente as mãos do local, investindo novamente nos tapinhas no ombro.

– Bruno..
– Hmmmmmmmm...
– Você tem que ir.
– Hm.
– Me ouviu?
– Uhm-hm.

Acreditando ter terminado a conversa, ele puxou o lençol para se cobrir completamente e se aconchegou mais ao travesseiro embaixo da sua cabeça.
Aquilo era uma coisa nova que entraria para minha lista de coisas nas quais eu era péssima em fazer: Acordar alguém de maneira graciosa.
Vamos tentar de novo.

– Bruno...
– Hmmmm?
– É sábado. E você está no meu quarto.
– Uhm-hm...
– Você está me ouv...
– Meu Deus, mulher, me deixa dormir!

Fui pega de surpresa pela rouquidão na sua voz. Ele ainda mantinha os olhos fechados.
– Você não está em casa. - Falei, tentando manter minha voz baixa como se estivesse falando com um doente.

– Eu sei onde estou. Estou no seu quarto, na sua cama, tentando dormir. Mas você não deixa. É sábado, são 7:15h da manhã... Pelo amor de Deus...
– Mas... Você está na minha cama...
– Então me deixa dormir. - Ele pontuou como se fosse um argumento óbvio, se aconchegando mais nos lençóis e dando um ponto final à discussão.

Eu nunca imaginei que alguém quisesse ficar na minha cama como se fosse algo comum. Grande parte dos homens tinha certo nojo e permanecia nela pelo menor tempo possível. Bruno ironicamente parecia ser diferente de todos os outros homens em praticamente todos os aspectos.

– Bom... - comecei, mais em um sussurro do que propriamente palavras - ...eu vou deitar também, então...

Se ele tivesse alguma objeção a isso, teria falado. Mas Bruno permaneceu mudo.
Imóvel.
Ótimo.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora