Anne 76

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Então, o ano havia começado. Minha vida mudara completamente em menos de um mês, e eu não poderia me sentir mais feliz com isso. Era até estranho lembrar do passado, não só porque ele me incomodava, mas também porque parecia tão incrivelmente distante do presente. Desenvolvi a capacidade de me forçar a parar de pensar quando algumas recordações surgiam. Eu me permitia lembrar de coisas que aconteceram até a morte da minha mãe e a partir do momento em que Bruno voltou a fazer parte da minha vida. O período entre esses dois momentos era propositalmente um enorme vazio.

Era claro que isso não acontecia sempre. De vez em quando, lembrava das minhas amigas que ainda permaneciam no passado. Na maior parte do tempo, tentava não pensar em nada desse período, mas isso era impossível, até porque certas coisas que eu gostava de lembrar aconteceram exatamente ali. Conhecer Bruno. Permitir que Bruno me conhecesse. Bruno me dando o melhor aniversário da minha vida. Não era possível esquecer nada que o incluísse. Por isso, da mesma forma, era impossível não lembrar, vez ou outra, do dia em que ele me deixou.

Mas eu estava bem. Se não curada, conformada. Não havia motivos para deixar que qualquer problema antigo atrapalhasse a minha felicidade agora, porque isso soaria até como ingratidão. Nós estávamos mais próximos do que antes. Agíamos como um verdadeiro casal, e talvez isso fosse óbvio para quem não soubesse da nossa história, mas esse pequeno fato me enchia de alegria. Era maravilhoso poder vê-lo todos os dias e perguntar como havia sido o seu dia. Era maravilhoso me sentir à vontade para dizer que sentia saudades dele quando ficava sozinha naquele apartamento. Era maravilhoso dizer que o amava sem nenhum problema.

Meus dias ainda eram um pouco monótonos, mas eu não me sentiria bem se reclamasse para Bruno. Minha vida era praticamente a vida que uma princesa levava, mas, como sempre fui diferente, sentia falta de algumas pequenas coisas.

– Posso te perguntar uma coisa?

– Claro. 

Estávamos vendo tv no quarto, esperando o sono chegar. 

– Não quero que você ache que estou reclamando ou exigindo nada... - Comecei - Mas você se lembra de uma conversa que tivemos...

– Na casa dos meus pais? 

Ele lembrava.

– É... 

– Pensei que não fosse perguntar nunca. - Ele respondeu com um sorriso simples nos lábios. Me virei para ele, um pouco ansiosa. Sua atitude estava me enchendo de esperanças. 

– E então? - Perguntei, parecendo uma criança. 

– Bom, você disse que queria algo simples... Achei algo que você poderia fazer. Não é nada difícil, e infelizmente não deve ser muito divertido também, mas se não gostar e quiser fazer alguma outra coisa, pode vir falar comigo...

– O que é? - O interrompi, ansiosa demais para esperar que ele finalizasse seu raciocínio. 

– Lembra o que eu falei que você fazia pra minha família? 

– Sim... - Consenti com a cabeça - Disse que eu era bibliotecária... 

– É. E sei que você tem um gosto pela leitura. Mas isso é mais difícil do que a maioria das pessoas acha. É preciso ter pelo menos bacharelado em biblioteconomia. De qualquer forma, procurei alguma coisa que ao menos remetesse a isso. Pelo menos pra quem não entende do assunto. 

Notei que ele ficou um pouco sem graça, parando antes de continuar a falar. 

– E o que é? Diz logo, pelo amor de Deus! 

– Não é nada muito interessante, mas... Bom, tem uma biblioteca antiga a três quarteirões daqui. Fui lá e descobri que eles queriam um ajudante. Você sabe, pra fazer nada em especial. Catalogar, arrumar, inspecionar livros. Ver se estão sendo devolvidos em bom estado, arrumar os novos... Essas coisas. 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora