Bruno 32

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– Ahn? Por quê? 

– Porque você está magro, com olheiras, barbudo e seu cabelo consegue estar mais rebelde do que o normal. 

Havia algum tempo que eu não me olhava no espelho. Talvez uns três dias. E mesmo com aquela descrição tenebrosa da minha aparência, ela continuou ali, me encarando, sem parecer estar com medo do meu estado perturbado.

– Bom, não é como se alguém estivesse reparando nisso. 

– É claro, você se enclausurou. Parece não querer mais contato com outros humanos. 

Não era esse o caso. Eu não estava propositalmente me afastando de qualquer companhia humana. O fato era que os outros eram muito pouco importantes para que eu sequer me importasse em manter distância. 

Esse afastamento veio naturalmente, junto com a minha vontade de espancar a mim mesmo até morrer. 

– Desculpa falar daquele jeito com você. - Comecei, puxando o assunto que estava me incomodando na presença dela - Eu sou um idiota. 

– Isso eu já sei há algum tempo, Bruno. Não me importo com a sua crise de nervos, e sei que aquilo tudo que você disse é balela. Não vim aqui pra isso, mas sim para falar sobre o seu problema. 

A capacidade de Duda de ser tão objetiva me assustava às vezes. Lá estava eu, parecendo um hippie desabrigado com meu pijama azul marinho, e ela debatia sobre o meu "problema" como se fosse algo provavelmente idiota. 

– Você não sabe o que está acontecendo comigo... 

– Claro que eu sei. Você está apaixonado.

Fui pego de surpresa ao ouvir a resposta dela ser dita com uma voz tão banal. Ela devia estar assim tão certa sobre aquilo? 

– Como diabos você sabe disso? 

– Eu sei que a sua família está bem, então seu estado atual só pode ser por causa de uma mulher. Na verdade, é algo bastante intuitivo, pra não dizer óbvio.

Continuei encarando-a como se ela tivesse acabado de fazer uma verdadeira mágica na minha frente. Quando ela cansou da minha cara de surpresa e da minha falta de resposta, deixou-se sentar no sofá logo atrás de si. 

– Tudo bem. Qual é o problema? Ela não se rendeu aos seus encantos? 

Aquela era a hora de decidir. Eu não poderia mais mentir dizendo que suas suposições estavam erradas, já que havia confirmado no mesmo momento. Só me restavam duas opções: Ou eu assentiria, dizendo que no final das contas fui abandonado com uma paixão não correspondida, ou então falaria toda a verdade. 

A primeira opção parecia incrivelmente mais fácil, mas bastou que eu pensasse em considerar a segunda opção que minha boca começou a despejar tudo. 

– Não é isso. Pode ser também, mas creio que isso seja o de menos, por mais irônico que possa parecer. Eu simplesmente não posso ficar com ela, porque... Nós somos muito diferentes, nossas vidas são quase opostas. Ela... 

– O que você sente é retribuído? 

– Não. 

– Você já deixou claro pra ela que sente algo por ela? 

– Não... 

– Então como sabe que ela não gosta de você? Ela é comprometida? 

– Eu não posso ficar com ela. 

– Porque está tão certo disso? 

– Ela é uma garota de programa. 

Silêncio.

Um silêncio profundo e constrangedor. 

– A garota que você está apaixonado? 

– É. 

– A garota que você está apaixonado é uma prostituta?

– É. 

Mais silêncio.

Eu poderia contar nos dedos as situações em que vi Duda sem reação. Por isso, vê-la daquela forma agora só fazia com que um desespero crescente se apoderasse de mim aos poucos. Eu sabia que minha situação não era trivial, mas seu silêncio era automaticamente captado pelo meu cérebro como uma indicação de gravidade. Era mais grave do que eu imaginava, porque se ela não tinha nada para me dizer, se não tinha nenhum conselho ou palavra para confortar...

Bom, então eu estava mesmo na merda. 

Depois de um longo e insuportável silêncio, ela falou outra vez. 

– Isso é... inesperado. 

Eu não sabia que tipo de resposta esperar dela, mas sabia que tipo de resposta queria ouvir. Eu queria ouvir que talvez eu devesse me entregar àquilo. 

Talvez devesse dar uma chance a mim, e também à Anne, para que isso pudesse dar certo. Talvez a próxima coisa que eu queria mesmo ouvir fosse Duda gargalhando como uma adolescente com a animação da recém descoberta paixonite aguda da qual seu melhor amigo estava sofrendo. 

Mas além de ser adulta, séria e inteligente, ela era uma mãe de família. Estava simplesmente fora de questão ouvi-la dizer que talvez uma garota de programa fosse uma boa escolha, porque elas estavam em posições diametralmente opostas: Duda era o tipo de mulher que construía uma família e baseava-se na confiança, no amor e na integridade para mantê-la. 

Anne era exatamente o tipo de mulher que ajudava a destruir tudo isso.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora