Bruno 22

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Com ela, não parecia ser assim. Eu estava confortável com aquele momento de paz e não era necessário preenchê-lo com palavras. Na verdade, parecia até errado falar algo que quebrasse o estranho clima de magia e tranquilidade. Eu não acharia palavras que valessem ser ditas, então me deixei saborear o momento.

Me permiti sentir as mãos dela passeando pelas minhas costas despreocupadamente, como se estivessem brincando ali. Me permiti sentir o perfume da pele dela sem restrições, sem tentar me afastar, posicionando estrategicamente meu rosto na curvatura de seu pescoço.

Me permiti afundar os dedos em seus cabelos, ainda molhados, enquanto fazia movimentos sem um propósito certo, mas que simplesmente pareciam caber ali. Ficamos assim por algum tempo. Vez ou outra, eu suspirava, pensando nas coisas que fiz e nas quais não deveria ter feito, sentindo um prazer divertido em notar a pele de seu pescoço se arrepiando a cada lufada de ar que eu dava.

— Dorme aqui...

Fui pego de surpresa pelo som inesperado, quebrando o silêncio confortável e, junto com ele, a magia daquele momento. Suas palavras atingiram a parte racional em mim, aquela que ainda lutava bravamente.

Então, como senti uma vontade quase imoral de aceitar seu pedido e permanecer ali aquela noite, naquela cama, com ela daquela forma, senti a necessidade de fugir, como o covarde que era. Porque, se eu não saísse rápido, acabaria cedendo a ela. Em tudo.

— Não, tenho que ir — falei, já me levantando e coletando minhas roupas espalhadas pelo quarto, enquanto descartava o preservativo usado.

— Mas amanhã é sábado.

Sua voz parecia um pouco desapontada, então tive que fazer força para não cair nessa armadilha. O tom de tristeza em sua voz conseguia me deixar perigosamente vulnerável.

— Amanhã tenho que acordar cedo. Vou estar ocupado — falei um pouco ríspido, colocando minhas calças sem olhar para ela. Era mentira. Eu não faria absolutamente nada amanhã.

Bom, talvez passasse o dia todo me martirizando pela fraqueza de hoje. Mas nada além disso.

— Ah, entendi. Tudo bem então.

Só eu tinha conhecimento da batalha épica que estava sendo travada dentro de mim. De um lado, minhas emoções diziam para pular novamente naquela cama, pegar Anne no colo e a enrolar como uma bola em meu peito. Do outro, minha razão — ou talvez covardia — ordenava que eu saísse dali. Imediatamente. Vesti a camisa de qualquer jeito, calcei os sapatos e olhei para ela pela primeira vez desde que eu havia decidido ir embora. Seu olhar era intenso. Não só isso, mas a ligação que se formou entre nossos olhares. Intenso como alguém se sente quando tem 14 anos e seu amor platônico o olha pela primeira vez. Intenso de fazer sumir o que existe ao redor. Intenso como se faíscas estivessem ricocheteando pelas paredes do quarto. Intenso pra caralho. Por um momento, me esqueci que havia decidido ir embora.

— Tudo bem?

— Tudo — falei, piscando algumas vezes e desviando meu olhar do dela. — Eu vou então. Até outro dia.

— Até.

Saí com passos apressados do quarto, tentando não sair correndo. A presença dela me prendia ali. O clima daquele quarto me deixava fraco, quase indefeso, e eu comecei a temer pela minha sanidade mental. Precisava tomar medidas sérias para controlar toda a minha falta de experiência quanto aos meus próprios sentimentos quando o assunto era ela. Desci as escadas com pressa, ignorando novamente algumas vozes melosas que me chamavam. Segui pela saída dos fundos, encontrando uma rua fantasmagoricamente deserta e escura. Não me importei e caminhei um pouco, não querendo pensar em nada. 

Em absolutamente nada. Depois de alguns minutos, me dei conta de que tinha que chamar um táxi, se não quisesse ir para casa a pé. Disquei o número salvo no meu celular, útil para emergências como essa, e esperei. Meia hora depois, já estava em casa. Cambaleei para a cama, sem me preocupar em tomar banho ou trocar de roupa. Rezei silenciosa e desesperadamente para que o sono me dominasse o mais rápido possível. Eu não queria pensar, porque se pensasse, chegaria a conclusões um tanto apavorantes. 

Eu não saberia lidar com elas, porque era fraco ou imbecil, mas de qualquer forma, tinha certeza de que poderia acabar louco ou depressivo. E só por ter essa noção, eu já fazia ideia do que estava acontecendo comigo, mas sempre que essa ideia surgia em minha mente, eu a deixava de lado, apavorado demais para tentar lidar com ela. Eu já fazia ideia. Eu já sabia. Mas não queria admitir.

Não podia admitir.

Eu não iria admitir.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora