Anne 51

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– O sr. Coolin nunca vem aqui. 

Me perguntei o motivo, já que o lugar parecia extremamente relaxante. Como resposta, Margarida deixou clara sua disposição em limpar aquela parte da casa, dizendo que tinha esperanças que agora ela seria devidamente aproveitada.

Minha cabeça foi invadida outra vez por diferentes combinações de pensamentos extremamente impróprios de nós dois ali, e então me perguntei quando foi que eu havia começado a desenvolver a constrangedora mania de pensar em sexo a cada inocente menção de nós dois juntos e sozinhos. 

Margarida acabou seu trabalho perto das 19h, e fiquei um pouco desanimada com a ideia de vê-la ir embora, me deixando ali sozinha. Ter alguém com quem conversar sem preocupações estava começando a me fazer falta, como agora eu podia notar (Bruno não contava, porque nós não conversávamos. Tudo o que fazíamos era escolher bem algumas meia dúzias de palavras para manter um mínimo necessário de comunicação). Além disso, a presença dela ali fazia com que eu não tivesse como pensar nas coisas ruins que ultimamente pensava. Ela ocupava minha cabeça com assuntos simples e distrativos. 

– Não vai esperar Bruno chegar pra pagar a você? - Perguntei, esperançosa com a possibilidade de fazê-la ficar mais um pouco. 

– Ele deposita na minha conta. 

– Ah. 

Abri a porta para ela, sentindo meu desânimo começar a dar sinais de vida outra vez. 

– Como não vou mais vê-la por algum tempo, espero que a senhorita tenha um feliz Natal. 

– Como? - Perguntei, um pouco confusa. 

– Tenha um feliz Natal. - Ela repetiu, pensando que eu não havia escutado. 

Mas eu havia escutado muito bem. O problema foi não conseguir processar a informação. 

Por que ela estava falando em Natal? Em que data nós estávamos, afinal?

– Que dia é hoje? - Finalmente perguntei, depois de algum tempo em silêncio. 

– 21 de dezembro. 

Voltei ao meu silêncio mórbido, deixando aquele pedaço de informação escorrer como calda quente de pânico da minha cabeça aos meus pés. 

– Está tudo bem, senhorita? 

Tossi algumas vezes, tentando trazer de volta minha voz.

– Sim, claro. Um... feliz Natal pra você também, Margarida. 

Ela continuava desconfiada de minha reação estranha, mas finalmente se deu por vencida e pegou o elevador, fazendo com que eu me tornasse a única pessoa naquele andar.

Fechei a porta, tentando abranger todas as possibilidades e o tamanho dos problemas.

Primeiro, eu precisava comprar um presente. E se fosse levar em conta que Bruno havia me dado, para dizer o mínimo, uma casa de presente, esse nível seria difícil de atingir. 

Segundo, eu precisava saber se nós passaríamos o Natal juntos. Pelo que eu sabia, ele tinha família. Em algum lugar do planeta. Era de se esperar que passasse com eles, fazendo com que tudo se tornasse um pouco mais complicado para mim: Se ele fosse e me deixasse aqui, o que eu achava mais provável, as coisas ficariam ainda mais confusas dentro da minha cabeça já perturbada. Se ele me levasse junto, eu entraria em algum tipo de crise de pânico. 

Terceiro, eu precisaria da ajuda de Duda para resolver essas questões. 

Respirei profundamente, tentando oxigenar o máximo possível meu cérebro, e ainda com a mão na maçaneta, fechei a porta. Fiquei algum tempo tentando entender como era possível ficar alheia ao Natal, mas no final das contas, ao lembrar de tudo pelo qual havia passado naqueles últimos três meses, já não estava mais surpresa em estar tão completamente perdida. 

E de repente, o frio invernal da época natalina começou a fazer sentido. 

Decidi que falaria com Duda no dia seguinte, de alguma forma. Infelizmente, isso implicaria em deixar Bruno ciente disso, já que não havia como ter contato com ela sem o intermédio dele, mas eu imaginava que, uma vez deixado claro que o assunto entre nós duas era particular, ele não insistiria em saber do que se tratava.

Como não tinha muito mais o que fazer, e como me preocupar com essas coisas não adiantaria de nada - embora eu não conseguisse deixar de lado a preocupação - resolvi me ocupar com coisas pequenas e aleatórias até o momento em que já não estivesse mais sozinha. 

Fiz uma busca em minhas malas pelo carregador do meu celular, há meses esquecido sem bateria. Quando finalmente consegui ligá-lo, fui bombardeada por milhares de mensagens na caixa postal e ligações perdidas. 

Sem muito interesse, deixei-o em cima da cama sem procurar saber de quem eram as chamadas.

Me permiti ligar o aquecedor da sala e do quarto de Bruno, já que a noite havia trazido um frio ainda mais intenso. 

Tomei um banho quente e, ignorando o arrepio que percorreu minha espinha ao sair do banheiro, vesti a camisa dele que ainda estava pendurada atrás da porta do quarto.

Rumei para minha nova parte preferida do apartamento, achando o interruptor e acendendo as luzes dentro e em volta da piscina. 

Não era demais, nem de menos: A iluminação e a sensação que ela passava ali eram simplesmente perfeitos. 

Toquei a superfície gelada de leve com os dedos, mexendo um pouco com a água, e sentei em uma das cadeiras de madeira, fitando os azulejos iluminados e as ondulações na superfície.

Encostei na cadeira e respirei fundo. Para minha alegria, as coisas pareciam estar se tornando gradativamente mais fáceis. O motivo eu não sabia, mas, diferente de antes, minha cabeça não trabalhava freneticamente em busca de respostas. 

Era como se a exaustão mental pela qual eu estava passando estivesse sendo substituída por algum tipo de aceitação, e embora isso pudesse acabar me machucando a qualquer momento, a sensação de calma fazia com que eu não precisasse remoer pedaços do passado ou dúvidas do que seria o futuro a partir de agora. 

O tempo que fiquei ali era incerto. Embora o dia tenha sido cansativo ajudando Margarida com a casa, eu não estava cansada. Por isso, me mantive acordada, mesmo com o ambiente relaxante. Não sabia que horas eram, e não queria saber, porque isso implicaria em relacionar imediatamente os ponteiros do relógio com a chegada de Bruno, transformando minha paz momentânea em ansiedade. 

Ouvi um barulho muito baixo, o que imaginei ser a porta da sala. Meu coração, como de costume, começou a pular freneticamente no peito, mas me mantive imóvel, tentando com tanta vontade me forçar a ficar calma que deixaria qualquer monge budista orgulhoso.  

Os passos dele foram ficando cada vez mais rápidos conforme o tempo passava, então me perguntei se isso poderia significar um pânico crescente por não me encontrar em nenhum dos outros cômodos. Meu impulso foi gritar para que ele viesse logo e me visse ali, mas me contive, ainda imóvel, enquanto exercitava minha respiração. 

Ele entrou de repente, já se preparando para dar meia volta e continuar me procurando pelo resto da casa. Quando me viu ali, suspirou alto, e me perguntei se essa era sua nova mania ao me encontrar em qualquer lugar.

– Quer, por favor, parar de fugir de mim? 

– Ainda estou dentro da sua casa, não? - Respondi, e me surpreendi com o tom calmo em minha voz, enquanto sentia meu estômago dar voltas de 360 graus em todas as direções. 

Ele não respondeu. 

Ao invés disso, se aproximou devagar enquanto mexia no cabelo. Bruno ainda vestia o blazer enorme de inverno preto, o que o deixava, além de lindo, extremamente elegante. 

Foi quando ele me alcançou que pude notar a única flor que ele trazia em uma das mãos, que agora me era oferecida. Peguei a camélia branca sem pensar, sentindo as pontas dos dedos formigarem levemente, e como se pudesse estudá-la, fiquei olhando para ela por algum tempo. 

As pétalas eram de uma perfeição hipnótica. 

Levantei o rosto, ainda nervosa e sem saber o que responder, mas foi a reação no rosto de Bruno que me fez ficar calada. Sua expressão era de surpresa, seus olhos estavam iluminados com um brilho intenso, sua boca esticada em um sorriso torto tão absurdamente lindo que fez com que meu estômago desse mais algumas voltas involuntariamente. 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora