Anne 23

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Eu era só uma puta. 

Eu era só uma puta e sabia disso. 

Eu sabia disso porque os homens, muitos homens, não me deixavam esquecer desse detalhe. 

Todos os dias, clientes dos mais diversos tipos me lembravam disso. E conforme o tempo passava, mais eu sabia que não poderia simplesmente deixar de ser só uma puta. 

Eu não poderia viver uma vida normal porque meu passado sempre me condenaria. 

Sempre seria o meu fantasma particular, e seria sempre motivo de vergonha. 

Eu sabia disso. Eu sabia que era só uma puta, e nunca pensei que pudesse ser um pouco mais do que isso. 

Eu sabia o meu lugar, sabia o que eu fazia, e sabia que era apenas isso. 

Nunca tentei ser mais do que eu era para cliente nenhum. 

Infelizmente, era só o que eu era. 

Uma puta, como tantas outras. 

Então por que ele achou que eu quisesse ser mais que isso? Por que achou que eu estava tentando seduzi-lo ou ter algum tipo de controle sobre ele? Por que achou que eu iria pensar que tinha esse direito? 

Por que ele disse aquilo?

Eu não queria, nunca quis ter controle de nada. 

De sentimento algum. 

Se me fosse possível considerar qualquer utopia, seria simplesmente um Bruno retribuindo os sentimentos que eu nutria por ele, mas eu já tinha descartado essa possibilidade, então estava satisfeita com a nossa amizade. 

Com a nossa proximidade, com o pouco da companhia dele, com o pouco dele que eu tinha. Quando tinha. 

Por que ele havia dito aquelas palavras? 

Eu sabia que era só uma puta, mas ouvir essa afirmação da boca dele, com tanta raiva, tanta mágoa, doeu mais do que eu podia imaginar. 

Doeu demais. 

O fato de vê-lo como um cliente diferente dos outros pesava. 

O fato de admirá-lo e pensar nele como uma proteção, uma "mesmo que estranha" amizade, também pesava. 

Mas era o fato de estar completamente apaixonada por ele que fez com que suas palavras me dilacerassem. 

Me reduzissem a quase pó, quase nada. 

Fez com que eu me sentisse tão imunda e insignificante, tão descartável. 

Não devia doer tanto. Não devia porque eu sabia que aquela era exatamente a verdade, mas doía porque, de alguma forma - milagre talvez - eu esperava que ele visse em mim algo além de uma prostituta. 

Alguém que valesse a pena, que pudesse ser legal e fazê-lo rir de piadas bobas. Alguém que ele pudesse ver não como um objeto, mas como uma pessoa. 

Uma pessoa que pudesse fazer parte da vida dele, de qualquer forma, e que deixasse a sua marca. 

Mas eu não havia conseguido. 

Não havia deixado marca alguma nele. 

Ele me via só como uma puta, e doía saber disso. 

Doía porque eu gostava dele demais. 

Agora, a última lembrança que eu tinha dele eram aquelas palavras gritadas, como se eu tivesse o desafiado. Aquelas palavras, que ainda repetiam na minha cabeça como um pisca-pisca. Aquelas palavras que talvez ninguém mais naquele salão tivesse levado tão a sério, principalmente por serem verdades, mas que me queimaram como fogo. 

Aquela era a última lembrança que eu tinha dele. 

De um Bruno tanto protetor como vingativo. 

E eu queria poder responder a todas as suas palavras, queria poder xingá-lo de nomes esdrúxulos, queria poder tentar provar a ele que ele estava errado e que eu valia alguma coisa. 

Mas ele havia se tornado mais um cliente que surgia e, depois de alcançado o objetivo, ia embora sem sequer olhar para trás.

– Ninha?

Sophia empurrou a porta com cuidado, me dando tempo para fingir que estava fazendo algo normal ou me recompor caso estivesse chorando. 

Não respondi nem movi um músculo sequer, ainda deitada em minha cama, olhando para frente como quem assiste com atenção a um filme. A diferença era que não havia nada ali além de uma parede branca. 

– Ah... Ainda não está arrumada.

Que horas deviam ser? 

– Você sabe como a Rayana é. Ela me mandou vir aqui ver se você já estava pronta para essa noite. Ela já te deu uma folga ontem, depois... do que aconteceu. 

Era verdade. 

Rayana havia me permitido voltar para o quarto e não receber mais clientes por aquela noite. Mas aquilo foi o suficiente, então eu imaginava que hoje ela não seria tão generosa assim. 

– E já são 19:30h. Você sabe que daqui a pouco a casa começa a encher... 

Sophia falava como quem pede a um asmático para fazer polichinelos. 

Eu podia ver pelo timbre de sua voz que ela sentia muito por estar me lembrando daquelas coisas. Não era ela quem estava me cobrando, era Rayana, mas era ela quem vinha trazer a má notícia. 

A notícia de que eu deveria voltar a realidade e desempenhar minha função, esquecendo do que quer que tenha acontecido.

Continuei encarando a parede por mais algum tempo, considerando minhas opções. Percebi que não tinha nenhuma. 

– Ninha... Eu sinto muito... 

– Eu sei. - Sorri tristemente para ela, enquanto tentava aceitar os fatos. 

Eu teria que voltar à realidade hoje. Eu teria que parar de pensar no que havia acontecido. Eu teria que fingir que não estava morrendo por dentro. 

Sophia me olhou como quem queria falar muitas coisas, mas não sabia por onde começar, nem se deveria começar. Falar no que aconteceu ontem resultaria em ter que mencioná-lo, tocar no nome dele, e isso era uma coisa que eu sabia que todas as meninas tinham jurado não fazer mais. 

Pelo menos não enquanto eu estivesse por perto. 

– Vou me arrumar. Te encontro lá embaixo. 

Dizendo isso, consegui me levantar da cama e, sem vida, rumei para o banheiro. 

Quinze minutos depois, desci para o andar onde agora alguns clientes já procuravam suas companhias. Alguns já estavam acompanhados, e outros bebiam enquanto aproveitavam o início da noite. 

Eu não sabia o que fazer ali. 

Aquilo parecia patético, porque eu deveria estar fazendo a mesma coisa que sempre fiz: Ficar na vitrine esperando enquanto alguém se decidia em me alugar por trinta minutos. 

Ainda assim, por algum motivo eu me sentia agora completamente fora de lugar, tão deslocada quanto um peixe fora d'água. 

Se tinha algo no mundo que eu não queria fazer, era aquilo: Esperar pelo meu próximo cliente. 

Olhei em volta e vi rostos diferentes de homens diferentes. Eu já estava acostumada com a grande rotatividade do lugar, mas foi observando esse detalhe que comecei a pensar. 

Na semana que havia passado, a semana do meu aniversário, cada vez que eu voltava de um programa do meu quarto para o salão principal, me sentia cheia de uma esperança em vê-lo. 

Durante toda a semana, todas as noites, eu esperava encontrá-lo encostado no bar, enquanto bebia sua dose de whisky e emanava sua aura de poder. 

Todos os dias eu esperei vê-lo, e todos os dias eu me decepcionei.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora