Voltei para casa embora Manoella insistisse para que eu ficasse mais um pouco em sua companhia. Sem nada para fazer, fiquei zapeando a tv por algum tempo. Descobri que programas de culinária eram até interessantes, e que alguns desenhos não deveriam desafiar tão descaradamente as leis da física. Crianças poderiam aprender coisas erradas daquela forma.
Usei meus recém adquiridos conhecimentos culinários para fazer um belo risoto, mas descobri que a quantidade dada pela mocinha na tv era para um batalhão, o que fez com que um caldeirão de arroz e várias outras coisas misturadas repousassem no meu fogão.
Lembrei que após o almoço não havia nada a ser feito senão dormir. Depois de um cochilo, caminhei despreocupadamente pela rua rumo ao jornaleiro. Comprei a última edição da Playboy - ok, eram mulheres nuas, mas eu também gostava das piadas - e um dilúvio me pegou de surpresa. Talvez porque tivesse caído de repente, ou talvez porque eu estivesse distraído mesmo.
Corri para o único abrigo que vi à frente dentro do parque do outro lado da rua. Assim que cheguei, já completamente ensopado, vi alguém lendo embaixo de outro abrigo igual àquele do outro lado. Parecia ser Anne, mas eu não podia dizer com certeza, então fui verificar.
Lá estava ela, seca e agasalhada, com dois livros abertos à sua frente, a caneta em uma mão e o celular em outra, parecendo imperturbável, alheia a qualquer coisa que estivesse à sua volta. Vermelho ficava realmente adorável nela.
Lembro que ela ficou um pouco surpresa em me ver ali, mas logo começamos a falar de uma coisa ou outra enquanto eu tentava esconder a revista em minhas mãos antes que ela me achasse um maníaco sexual, já que todas as ocasiões em que eu me encontrava com ela envolviam sexo de alguma forma.
Lembro dela me contando sobre sua vida, e lembro de me sentir parcialmente culpado por toda a sua infelicidade, o que era irônico porque eu estava realmente começando a gostar ainda mais daquela garota.
Lembro de tomar a decisão de não me aproveitar mais dela, mesmo que isso fosse contra a minha vontade. Mas o que mais gostei de lembrar foi a forma como ela me pediu para não fazer isso. Ela parecia sincera ao falar que eu a fazia menos infeliz, e me senti tanto espantado como animado por isso. O motivo, eu ainda não sabia dizer.
Do céu, gotas grossas começaram a cair, me trazendo de volta dos meus devaneios para o presente, ainda debruçado sobre o parapeito da varanda. Olhei novamente para baixo e vi crianças agora correndo da chuva recém chegada. Pude imaginar a decepção em cada uma delas com a mudança do tempo. Eu, por outro lado, sorri.
A manhã e a tarde de segunda-feira foram tranquilas. Reuniões de rotina aconteceram, algumas exigindo minha presença, outras não. Quando eu era obrigado a participar, arrastava Duda pelo pulso, que se sentava ao meu lado e explicava, resumidamente, o que aquelas pessoas queriam de mim. Normalmente uma assinatura resolvia, e então eu poderia voltar à minha sala e brincar com o pêndulo de Newton que repousava sobre a minha mesa.
– Por que quase nada de diferente acontece nessa empresa?
Duda me olhou como quem olha uma lesma derretendo.
– Tudo está às mil maravilhas, o senhor não deveria reclamar! Quer que os negócios vão à falência?
– Bom, pelo menos alguma coisa aconteceria.
Ela olhou para a agenda em suas mãos.
– O senhor tem menos de dois meses pra decidir o que fazer com a campanha das lingeries.
– Nós temos uma campanha de lingeries?
– Sim, nós temos.
– E eu devo saber o que fazer com ela? Eu não entendo merda nenhuma de lingeries!
– Sr. Coolin, se me permite a audácia, o senhor não entende merda nenhuma de nada aqui dentro, mas mesmo assim toma as decisões.
Suspirei.
– Ok, Duda. Só me diga o que tenho que fazer. - Concluí, me levantando e olhando para o relógio enquanto completava em um tom de voz falsamente excitado: - Vou embora. Me arrumar para a grande festa! Mal posso esperar!
– Mais um pouco e o senhor me convence. Está melhorando. Temos agora que trabalhar na sua cara de defunto enquanto fala coisas animadas assim.
– Bem, é mais ou menos como me sinto. Vou esperar por você na entrada às 19h. Pelo amor de Deus, não se atrase. Eles podem me comer vivo.
– Duvido muito que façam isso. Só querem fechar um contrato e embebedá-lo se isso for necessário pra ganharem um "sim".
– No final das contas é você que vai decidir isso. Bom, até mais.
E fui embora. Menos de 2 horas depois já estávamos na festa com o que eu achava que fossem milhares de empresários parecendo urubus rondando a carniça. Duda permanecia ao meu lado e eu tive que me controlar para não sumir com a desculpa de ir pegar um drink e fugir pela janela do banheiro. Aquilo tudo era incrível e absurdamente chato.
Todas aquelas pessoas, cujo objetivo de vida parecia ser puxar o saco uma das outras e se cumprimentarem com sorrisinhos falsos, estavam me dando nos nervos. Isso já acontecia havia algum tempo, mas conforme o tempo passava eu tinha a certeza de que um dia explodiria e mandaria todos irem à merda em alto e bom som.
Pedi licença para ir ao bar pedir algo alcoólico.
– Senhor... Bruno... - Duda me chamou, e me senti um pouco melhor.
Eu sempre preferia ouvi-la me chamando pelo nome.
– Não se preocupe. Não vou exagerar.
Duda era praticamente minha mãe em eventos desse tipo. Ela tomava conta da quantidade de álcool que eu ingeria por saber que eu poderia passar dos limites facilmente. Quando entrei em depressão havia pouco tempo atrás, busquei algum conforto no álcool, o que fez com que me viciasse rapidamente. Não era um caso extremo, mas não foi exatamente fácil fazer com que eu voltasse a conseguir dizer "chega" para mim mesmo. Duda esteve muito presente nessa época. Ousava dizer que, além da minha mãe, ela tinha sido a mulher mais presente na minha vida.
Caminhei para o bar desviando de garçons e convidados, todos muito bem vestidos. O porquê eu não sabia. Todos comiam e bebiam o que aguentavam enquanto riam de piadas sem graça e falavam mal da vida alheia. Mulheres seminuas em biquínis desnecessariamente pequenos dançavam perto da piscina. Algumas nadavam, embora a noite não estivesse muito quente. Imaginei que elas não fossem convidadas, mas sim contratadas.
Sentei no bar e pedi um whisky. Quase imediatamente fui abraçado pelas costas por braços finos, mas fortes.
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De repente, amor
Romance♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...