Anne 33

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Com o que, eu não sabia. 

E também não deveria ser da minha conta. 

Não sei o que me levou a fazê-lo, mas imediatamente o segui para fora do carro, batendo a porta com um pouco menos de força e apressando o passo para alcançá-lo enquanto ele caminhava com firmeza pela garagem espaçosa, indo de encontro ao elevador.

Talvez eu devesse me incomodar com o fato de ele não olhar para mim uma vez sequer, ou com o fato de parecer que minha presença ali era tão importante quanto a de uma barata morta, mas meu medo latente fazia com que eu recebesse bem essa ausência de atenção. 

Eu sabia que no momento em que ele olhasse para mim outra vez, muitas coisas poderiam acontecer. 

Ele exigiria de mim alguma coisa. 

Eu perderia o pouco do controle que me restava.

Nós acabaríamos nos agredindo ou eu acabaria chorando nos braços dele, como a perfeita mosca morta patética que eu era.

Por hora, ser ignorada era bom. Era mais fácil do que ter que encará-lo e ter que lidar com exigências. 

Além disso, teria que lidar também com toda a tristeza que eu sabia que me tomaria quando nossos olhos se encontrassem outra vez.

Eu sabia que não deveria estar tornando aquilo pessoal. Aquele era só o primeiro programa da minha noite, o primeiro de muitos que eu passaria a ter agora.

Além disso, eu lembrava clara e nitidamente de quão enfático ele tinha sido ao gritar na minha cara que eu era só uma puta. Eu sabia disso, e permitir que aquele encontro me trouxesse de volta tantas sensações era perigoso.

Eu não sabia onde estava me metendo, mas mesmo assim continuei. 

Perto da viagem de carro, o tempo necessário para que o elevador subisse todos aqueles andares e chegasse na cobertura havia sido consideravelmente rápido, mas o silêncio que insistia em pairar no ar entre nós continuava extremamente desagradável. Mesmo assim, me convenci que seria bom me acostumar com ele, já que talvez aquele silêncio pudesse ser a melhor coisa daquela noite. 

Ele saiu do elevador sem hesitar, com as chaves já nas mãos. 

Momentos depois a porta já estava aberta, mostrando um apartamento grande e arejado, num estilo clean e minimalista. 

Os poucos móveis se misturavam em contrastes, uns brancos e outros negros. Tudo era muito limpo e de muito bom gosto. 

A parede oposta da sala era nada mais além de vidro, estendido de cima a baixo, com portas de correr do mesmo material que se abriam para a grande varanda. 

Mesmo em crise, não pude deixar de notar que seu apartamento era aquele tipo de lugar que só se vê em revistas.

Aquela seria a página que eu marcaria como? Apartamento dos sonhos?

Voltei à realidade quando o senti esbarrar em mim, quando terminou de trancar outra vez a porta e rumou para um corredor estreito.

Segui-o sem questionar, entrando na porta que ele havia também entrado, e pude notar que agora estávamos no quarto dele.

Assim como na sala, a parede lateral trazia por toda sua extensão placas grossas de vidro. Notei que uma delas estava pouco aberta, constatando que eram espelhadas. Tão perfeitamente espelhadas que eu duvidava poder ser visto algo dentro daquele quarto por qualquer um que estivesse do lado de fora. 

O chão trazia um carpete escuro, que combinava com o edredom negro que forrava a cama. As paredes eram extremamente brancas e o armário que envolvia a cabeceira da cama, marfim. A forma como as cores contrastavam em, pelo visto, todos os lugares da casa, era de uma elegância invejável, e eu tinha certeza que estaria admirando muito mais aquele ambiente caso estivesse em condições de fazê-lo. 

Mas a verdade era que, naquele momento, eu mal tinha condições de me manter em pé. 

Encarei suas costas, enquanto ele olhava pela parede de vidro a cidade lá fora. Eu podia ouvir sua respiração mais pesada do que o normal, e constatei que ele também não devia estar muito bem. 

Ótimo. Era bom saber que eu não era a única pessoa angustiada naquele lugar.

Me perguntei o que deveria fazer. 

Não que eu tivesse esquecido de como agir em situações assim, mas aquele caso era uma exceção, porque ele não era um cliente normal. Ele era ele, e eu simplesmente não sabia como proceder. Se estivesse em um programa com um homem qualquer, eu sabia que já teria que ter tomado uma iniciativa de aproximação e sedução, porque grande parte dos clientes pagava também para sentir a sensação de não ter que correr atrás. Era óbvio que quem tinha que começar qualquer coisa seria eu, mas como? 

Não estava tudo bem. 

Eu não conseguiria agir naturalmente, porque minha natureza era péssima quando se tratava de atuação. Mas parecia que tudo que eu tinha que fazer agora era muito mais difícil do que o normal, primeiro porque nós estávamos frente a frente depois de tanto tempo, depois de tantas coisas não ditas, o que naturalmente nos prendia em uma gaiola de tensão e nervosismo. 

Além disso, eu não tinha muita certeza do que ele queria.

Era difícil, mas eu tinha que fazer isso. Eu tinha que desempenhar meu papel, porque, em primeiro lugar, foi por isso que ele me escolheu. Não adiantava ficar lembrando do passado. Não adiantava tentar vê-lo como mais do que um cliente. Não adiantava tornar aquilo pessoal, porque só aumentaria meu sofrimento depois que tudo passasse.

Mas era impossível não sentir aquilo. 

Eu poderia fingir para ele, mas não para mim. Para ele seria um programa, para mim seria um pouco mais que isso. E não adiantava tentar ver as coisas com objetividade, porque nada ali era objetivo. Nada ali era fácil. Não para mim. 

Foi só quando ele se virou, evitando propositalmente meu olhar, que eu percebi que havia dado alguns passos em sua direção. Seu movimento me fez parar imediatamente, então como não sabia o que fazer, esperei.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora