Anne 7

315 28 0
                                        

– Qual é, Ninha. Um homem não dorme na cama de uma puta a não ser que esteja
bastante confortável. 

– Sophia, se ele estava confortável ou não, eu não sei. Mas não deve ter sido a primeira vez que ele fez isso. 

– Bom, - começou Júlia - pelo menos aqui ele nunca fez isso. Com nenhuma de nós. 

Senti-me subitamente de bom humor, o que tentei não relacionar ao fato de saber agora que estava, de certo modo, em um patamar diferente das outras dezenas de mulheres daquela casa. Mesmo animada, tentei mudar de assunto. Precisava ficar sozinha. 

– Bem, eu vou dar uma volta. É sábado, nada de clientes pra me azucrinarem. Vou aproveitar a paisagem. 

– Mas ainda está chovendo. 

– Ótimo. Menos pessoas na rua pra ficarem olhando pra mim. 

Às cinco da tarde eu já saía da Casa de Rayana com minha bolsa-mochila no ombro, vestindo um casaco vermelho desbotado, calças jeans skinny e um par de tênis velhos. Eu não tinha guarda-chuva, mas não precisava. Estava chuviscando e as pequenas e finas gotas não me incomodavam. Ao contrário, eram bastante agradáveis. Constatei que as nuvens estavam pesadas e os trovões estavam cada vez mais frequentes, então corri para não pegar o dilúvio que eu sabia que viria. 

Puxei o capuz do casaco para cobrir a cabeça e caminhei até o ponto de ônibus. Queria ir ao parque do outro lado do bairro, respirar novos ares. Assim que cheguei, corri para uma das muitas mesas redondas de madeira cobertas por telhas vermelhas. Como não ventava, consegui me proteger da chuva ali. Era um lugar calmo e, obviamente, estava vazio. Pelo pouco das ruas e casas que consegui analisar, pude constatar que era um bairro de pessoas no mínimo bastante ricas. 

Tirei meu livro, um dicionário e uma caneta da bolsa, colocando tudo em cima da mesa e sentando em um dos quatro tocos de madeira que serviam como bancos. Graças a Bruno, tive que procurar por algum tempo a página na qual havia parado a leitura. Sentindo o cheiro e ouvindo o barulho da chuva, consegui relaxar. 

Não sei por quanto tempo fiquei ali. Tudo parecia tão calmo e fácil. O lugar era lindo, a grama era bem aparada, de um verde vivo. As gotas, agora mais grossas e em maior quantidade, caíam pesadamente na superfície do enorme lago que ficava no centro do parque. Aquela atmosfera me contagiava e, naquele momento, aquele lugar era o melhor lugar do mundo para se estar. 

Vi alguém correndo através da espessa cortina de chuva, se abrigando em uma das mesas cobertas que ficava do outro lado do parque. Sorri sem nenhum motivo. O homem, como pude constatar depois de alguma análise, retirava seu casaco de couro e balançava seus cabelos molhados como um cachorro que acabara de sair do banho. 

Voltei meu olhar para o livro e retomei a leitura. Poucos minutos depois meu celular emitiu um som fraco e moribundo, me avisando que a bateria tinha se esgotado. 

– Ótimo. Nada como paz. - Falei, em voz alta.

– Eu concordo. 

Pulei de susto ao ouvir a voz falando imediatamente atrás de mim, num tom
suficientemente grave para não ser encoberto pelo barulho forte da chuva. Era uma voz masculina. Uma voz bonita, incisiva e poderosa. 

Aquele tipo de voz que você imagina que um homem lindo tenha, e pelo fato de ter estado pensando naquela voz de cinco em cinco minutos, quando me dispersava da história de Jane Austen à minha frente, não precisava nem me virar para saber quem era o homem que se encontrava a pouco menos de um metro de distância de mim. 

Mesmo assim me virei, encarando aqueles olhos que agora estavam de um dourado fluorescente. Ele estava ensopado da cabeça aos pés e trazia uma revista enrolada completamente molhada e mole em uma mão e, na outra, seu casaco. 

Normalmente, quando era pega de surpresa, eu demorava um pouco para formular uma frase. Nesse caso eu tinha acabado de ser pega de surpresa por Bruno, o que fazia com que minhas tentativas de falar alguma coisa coerente fossem ainda mais fracassadas. Porque Bruno me deslumbrava naturalmente, me pegando de surpresa ou não. 

– Você... O que... - Tossi, limpando a garganta. - O que está fazendo aqui? 

– Eu é que pergunto. Aqui é um pouco longe de onde você mora. 

– Eu queria sair... Ler um pouco... Fugir um pouco... 

– Entendi. 

Eu ainda não sabia o que ele estava fazendo ali. Não acreditava em coincidências, muito menos em destino. 

– O que está fazendo aqui? - Repeti. 

– Bem fui até a banca comprar uma revista, e aí o céu desabou em cima da minha cabeça. Então atravessei a rua e vim correndo pra cá. Fiquei em baixo daquela proteção do outro lado do parque e te vi. Bom, pensei que fosse alguém parecido com você, mas não pude dizer com certeza. Então vim verificar, e aqui estou. 

Bruno pontuou seu discurso com um sorriso torto contagiante. Eu suspirei. 

– Você mora por aqui? - Perguntei. 

– Moro a dois quarteirões daqui. Consigo ver esse parque inteiro da varanda da minha sala. - E dizendo isso, apontou para um prédio branco espelhado imponente, o mais alto à nossa esquerda, um pouco longe. 

– Deixa eu adivinhar: Você mora na cobertura. 

– É. 

 Sorri com deboche abaixando a cabeça. Então ele era mesmo um homem podre de rico. 

– Ei, posso sentar? 

– Claro. - Tirei minha bolsa de cima do banco ao meu lado, cedendo-lhe o lugar. 

Ele aceitou, sentando-se e puxando um assunto aleatório: 

– Então... Um sábado chuvoso. Que droga, né? 

Manter um papo normal com Bruno soava forçado, porque nós não batíamos papo. Nós não nos conhecíamos para isso, e nosso objetivo juntos era bastante diferente de jogar conversa fora. Mesmo assim eu queria dar uma chance para que esse relacionamento, errado em quase todos os aspectos, pudesse se tornar algo melhor, algo que valesse apena.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora