Anne 24

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Minha mãe costumava dizer que a esperança poderia matar uma pessoa lentamente, porque esse era o sentimento que nos tornava vulnerável a falhas. 

Quando tínhamos esperança, corríamos o risco de nos desapontar, e haviam situações em que a decepção era quase tão dolorosa quanto a morte. 

Ela tinha razão. 

Eu havia sentido a força de uma decepção recentemente, e poderia dizer que poucas coisas na vida conseguiriam ser tão dolorosas quanto aquilo. 

Mas a esperança era também o sentimento que nos fazia acreditar, que fazia com que tivéssemos fé, e agora eu sentia a gravidade de não ter mais esperança.

Ele não voltaria. 

Eu sabia, ele não voltaria nunca mais. Era uma certeza tão grande e tão esmagadora que não havia como contestá-la. 

Eu não poderia sequer me decepcionar, porque não havia a menor esperança em vê-lo outra vez. 

Eu não o veria outra vez. Noite após noite, ele não estaria ali. Das dezenas de homens que entrariam naquela casa, não havia a menor possibilidade de um deles ser ele.

Não havia esperanças. 

Fui tomada por um desespero crescente e sufocante. Tentei não perder o controle, indo direto ao bar e pedindo qualquer coisa alcoólica, enquanto fazia força para parar de pensar naquilo. 

Ele não voltaria.

Ele não voltaria. Por que ele foi embora? Ele disse que estaria por perto.

Por que ele disse aquilo? Por que fez aquilo? 

– Anne!

Me virei mais rápido do que deveria, o que quase resultou em um tombo. 

Me apoiei no bar e procurei a voz que me chamava. 

Era Rayana, trazendo consigo um homem com a postura dura e indiferente. 

– Benjamin quer conhecê-la. Tenho certeza de que vocês se darão bem. 

– Boa noite, Anne. É um lindo nome. 

Eu ainda estava com um pouco de falta de ar e um aperto na garganta doloroso, mas me obriguei a falar de volta. 

– Obrigada. 

– Você está bem? Sua cara não está muito boa. 

Eu não estava bem. Estava longe de estar bem. 

Estava começando a suar frio, tremia levemente e fazia uma força incrível para não deixar o pânico que surgia nas minhas veias não se apoderar de mim. 

Era uma péssima hora para ter uma crise, ainda mais porque Rayana me encarava como se eu estivesse estragando sua ceia de Natal.

Mas eu não podia fazer aquilo. Simplesmente não podia. 

Engasguei com a vontade súbita de chorar. Tentei controlar o aperto que precedia o choro, mas não consegui. 

– Eu... não posso... 

A torrente de lágrimas veio de uma vez, e eu agora estava aos prantos na frente de um cliente. 

Não podia ser pior. 

– Querido... - Começou Rayana, enquanto tentava soar calma - Anne não parece estar se sentindo muito bem. Acho melhor apresentá-lo a outra pessoa. Você não vai se arrepender. 

Dizendo isso, saiu de braços dados com ele. 

Vi os dois se afastarem de mim aos poucos, enquanto tentava limpar a nuvem de lágrimas que atrapalhava minha visão, mas notei que Rayana olhou algumas vezes em minha direção, com uma cara péssima.

Eu sabia que ouviria um sermão por aquilo, mas aquela não era a hora de me preocupar com isso. 

A tristeza que agora tomava conta de mim era tão intensa, tão dominante, que eu não consegui me acalmar sequer com o fato de ter acabado de perder um cliente.

Tão rápido quanto a ideia surgiu, corri para as escadas outra vez e, chegando ao meu quarto, me deixei cair pesadamente na cama, enquanto tentava respirar direito. 

Eu não conseguia. Não conseguia fazer aquilo. 

Não seja idiota. Você sempre fez isso, por que não conseguiria agora? Não mudou nada. 

Eu tinha que conseguir, porque era simplesmente a única coisa que eu fazia. 

E se eu não pudesse mais fazer a única coisa para que servia, então eu me tornava imediatamente ainda mais descartável do que já era. 

Por que você fez isso comigo, seu desgraçado? Por que me abandonou? 

Ele mentiu para mim. 

Disse que estaria por perto, disse que gostava de mim. 

Ele mentiu para mim. Me humilhou, me abandonou, me esqueceu. 

– Nós vamos conversar sobre isso depois. 

Virei surpresa para a porta e vi Rayana parada, me encarando com uma expressão furiosa, de braços cruzados. 

– M-me desculpe... 

– Eu sabia que isso iria acontecer... Devia ter sido mais firme quanto a vocês dois. 

Ela sabia. Sabia o motivo do meu desespero. Ela sabia que eu estava apaixonada por ele.

Estava assim tão óbvio? 

– Nós vamos ter uma conversa definitiva sobre isso, Annee. Você trabalha aqui, e os seus problemas pessoais não me interessam. Você vai ter que fazer o seu trabalho se quiser continuar nessa casa. 

Dizendo isso, virou-se e saiu, fechando a porta com força atrás de si.

Eu sabia que ela tinha razão, mas eu não conseguia. 

Deus... Eu não conseguia.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora