Anne 9

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Senti meu coração derretendo aos poucos enquanto o fitava ali, molhado, parado à minha frente. Meus sentimentos pareciam lutar dentro de mim, travando uma briga que nem eu mesma poderia apartar. Uma mistura de raiva, desejo e loucura me confundiam, e eu não sabia ao certo o que dizer, mas sabia que precisava falar alguma coisa. Ainda assim, podia sentir meu peito quase explodindo. Ele era pequeno para manter tantas coisas que lutavam entre si pela liderança lá dentro. Senti uma onda repentina de sinceridade se apoderando de mim, e antes que pudesse sair correndo deixando-o com meu silêncio, fechei os olhos e simplesmente falei:

– Você é a melhor coisa que aconteceu comigo durante todo esse tempo. Você é a única pessoa que se preocupa com o fato de eu estar machucada ou não. Você foi a única pessoa que me perguntou sobre a minha vida. Eu sinto muito te dizer isso, sinto muito não conseguir calar a boca agora, mas eu não quero que você vá embora. - Outra lágrima escorreu pelo meu rosto, mas não me importei – Não se assuste comigo, eu só... Eu só gosto de ter você por perto. Eu me sinto segura. Eu sei que você não quer esse tipo de responsabilidade, e você não precisa ter. Mas só a sua presença já me passa isso. Você não precisa fazer muito mais do que estar por perto.

Ele me fitava um pouco assustado, mas agora não havia mais como voltar atrás. Bruno engoliu depois de algum tempo em silêncio. Passou as mãos nos cabelos sem saber muito o que fazer, e finalmente falou:

– É por perto que você me quer?
– Sim. - Respondi sem pestanejar. Ele sorriu. Aquele sorriso torto.
– Então é por perto que eu vou estar.  Sorri de volta, secando meu rosto.
– Você fica muito mais bonita sorrindo.
– Vou tentar sorrir mais vezes então. - Falei em tom de brincadeira.
– Vou cobrar isso de você.

A chuva agora era uma fina cortina de gotas muito pequenas, tão leves que demoravam acair. No céu, um sol tímido iluminava fragilmente as nuvens, e a combinação disso pintou um arco-íris tão grande que ocupava toda a parte visível do céu cinzento. Bruno olhou para mim, apontando para o colorido acima de nós.

– Viu? - Falou calmamente - Quando o tempo bom e o tempo ruim se misturam em um só, o resultado é mais bonito do que se espera.

Alguns minutos depois o sol já havia se posto, deixando o ambiente gradativamente mais escuro. A chuva havia cessado e algumas pessoas já se arriscavam a passear no parque antes deserto. A conversa entre mim e Bruno tomou um rumo mais agradável, e então falamos de coisas mais banais. Infelizmente ele me perguntava coisas demais, e eu não tinha a oportunidade de saber um pouco da vida dele também.

– É melhor ir embora antes que pegue uma pneumonia. - Falei - Suas roupas estão molhadas a tarde inteira.
– É verdade. - Ele respondeu, e eu olhei para a camisa ainda colada em seu corpo por causa da água, torneando cada músculo definido ali. Obviamente ele não reparou nesse detalhe, mas eu vinha reparando a tarde inteira.
– Você vai ficar? - Perguntou. De repente notei que se ele estava indo embora, então eu não tinha mais nada para fazer ali. Minha leitura já tinha sido esquecida havia muito tempo, os livros já estavam fechados e guardados dentro da bolsa.
– Não, vou também. Já está escurecendo de qualquer forma.
– Então vamos. Eu te acompanho até o ponto de ônibus.

O caminho até lá foi silencioso. Felizmente não foi um silêncio desagradável, mas sim aquele tipo de silêncio que acontece quando duas pessoas sabem que não precisam preencher aquele espaço com palavras idiotas e conversas descartáveis. Era um silêncio natural, onde a presença do outro era a única coisa a ser compartilhada e apreciada. 

O ônibus chegou e eu me vi triste pela despedida. Mas era preciso, então entrei no ônibus de uma vez, olhando para trás e acenando timidamente para ele que retribuiu, ainda me olhando enquanto o veículo acelerava. A viagem pareceu rápida demais para meus devaneios, e quando cheguei à Casa de Rayana queria apenas ficar sozinha. Neguei o jantar quando me chamaram para descer à cozinha porque, de fato, não sentia fome. Entreguei o dinheiro ainda em cima do móvel para Rayana e me tranquei no meu quarto. Tomei um bom banho e me deitei na cama. A partir daí nada fiz senão pensar. 

Não sei a que horas o sono veio, e também não sei quanto tempo fiquei divagando sozinha no escuro do quarto. A chuva voltou a bater com força no telhado e meus pensamentos teimavam em voar para aquela tarde de sábado, o que deveria ter sido só mais uma tarde de sábado qualquer. E embora eu não estivesse ciente de muita coisa, embora eu não soubesse o que exatamente me deixava tão perdida ultimamente, eu tinha um palpite. Um palpite que me deixava eufórica e, ao mesmo tempo, em pânico. 

Lembro do último pensamento que tive antes de mergulhar na inconsciência outra vez. Se era um pedido ou uma oração, eu não saberia dizer. Mas de qualquer forma meus sentimentos aos poucos começavam a tomar uma forma definida, e eu tentava desesperadamente não ver as coisas como elas pareciam ser. 

Como elas seriam, a partir daquele momento: 

Por favor, POR FAVOR, que eu não esteja me apaixonando por Bruno.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora