Anne 46

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Pensei em alguma réplica inteligente, mas não obtive sucesso. Ele usou um exemplo impossível de refutar, porque era a mais absoluta verdade. 

Meu pai não sustentava minha mãe, jamais havia sido assim. Ele cuidava dela , ele a protegia, e estava claro que aquilo não era algo que ele tomava como obrigação, mas fazia simplesmente porque a amava. E se o que Bruno estava fazendo fosse, de alguma forma, remotamente comparável àquilo, não havia como reprimi-lo.

Talvez eu até devesse me sentir lisonjeada, feliz, protegida. Mas, de alguma forma, eu ainda me sentia mal. Provavelmente porque o que nós tínhamos não era um relacionamento dentro dos padrões, como o de meus pais. O que nós tínhamos era diferente, e o fato desse relacionamento sempre ter sido baseado em Bruno pagando para ter minha companhia talvez contribuísse para que eu me sentisse sendo comprada em cada pequeno detalhe. 

– Mesmo assim, - Comecei, um pouco sem graça, voltando a evitar seu olhar - eu preferiria pagar minhas cois... 

– Eu quero te dar de presente. 

Fechei os olhos, tentando manter nossa conversa em um nível tranquilo, sem gritos ou palavras rudes.

Minha concentração foi abalada pelo toque do celular de Bruno. 

Quando abri os olhos outra vez, ele já havia se levantado, falando na sala com alguém. Não pude ouvir o que ele dizia, apenas palavras avulsas, mas pela forma como falava, parecia ser com uma mulher.

Quando finalmente desligou e voltou à cozinha, encarei-o novamente.

– Você vai conhecer uma amiga minha. Ela está vindo pra cá daqui a pouco.

... 

Então, eu conheceria Duda. 

Pelo pouco que ouvira falar, ela parecia ser uma mulher boa. Essencialmente boa. Ao que me lembrava, havia sido ela que, na época de crise de Bruno, se dispôs a ajudá-lo. Por causa dela, ele havia saído de uma depressão profunda, e com a ajuda dela ele havia se reerguido. De certa forma, eu já gostava dela simplesmente por ajudá-lo e por se preocupar com ele. Ironicamente, era justamente por se preocupar com Bruno que Duda provavelmente já não gostava de mim. 

Ele havia contado tudo a ela, e tudo se resumia no fato de que eu era uma prostituta pela qual ele pagava algumas noites. Era óbvio que ela devia achá-lo um idiota por me colocar morando ali, e era igualmente óbvio que me julgaria assim que colocasse os olhos em mim. O pior disso tudo era que eu sequer poderia culpá-la.

Eu também julgaria qualquer prostituta caso ela estivesse se aproveitando de um momento de confusão do meu melhor amigo. Também a odiaria por continuar ao seu lado, porque afinal de contas ele merecia alguém melhor. Torceria para que ela simplesmente sumisse da vida dele, fazendo o grande favor de deixá-lo viver sua vida com quem ele merecesse. 

Mas eu não podia deixá-lo. Não agora, não quando precisava tanto dele.

Não ainda.

Por isso, teria que enfrentar aquela situação, teria que enfrentar a forma como Duda lidaria comigo. Eu era a intrusa ali, então nada mais normal do que ser julgada sob todos os aspectos. Isso não melhorava em nada meu nervosismo, então, pela terceira vez, eu lavava meu rosto no banheiro do quarto de hóspedes, encarando-me no espelho como quem busca por alguma força, algum ânimo. Mas a expectativa de lidar com uma melhor amiga furiosa não estava nos meus planos para aquele dia, e ser pega de surpresa também não era minha especialidade.

Enxuguei o rosto e notei que meus hematomas agora começavam a ficar esverdeados. Isso definitivamente não era algo agradável aos olhos, por isso tentei escondê-los com algumas mechas de meus cabelos. Não ocultava tudo, mas ao menos disfarçava um pouco a impressão de que eu havia sido espancada recentemente. Também por esse motivo, optei por vestir meu casaco de gola vermelho por cima da camiseta, além de jeans que cobrissem toda a extensão das minhas pernas e meias. 

Sem saber direito como proceder naquela situação, fechei a porta atrás de mim e me dirigi para a sala. Bruno disse que ela chegaria dentro de minutos, e que apenas queria que nós nos conhecêssemos. Me perguntei em silêncio se, em uma situação hipotética onde Duda partiria para cima de mim com insultos e verdades inconvenientes, Bruno me defenderia, se colocando contra uma pessoa que ele conhecia há muito mais tempo. Um pouco mais do que isso, algo de egoísta e mesquinho dentro de mim fez com que eu me perguntasse a quem ele escolheria, se tivesse que fazê-lo: A ela ou a mim.

De qualquer forma, constatar a triste resposta para essa pergunta fez com que eu pagasse o preço do meu egoísmo. 

Cheguei à sala e imediatamente notei que não poderia me dar ao luxo de qualquer tipo de preparação, porque já sentada, com um copo de água nas mãos, estava uma mulher loira, cabelos lisos e olhos incrivelmente azuis, uma brilhante aura angelical e excepcionalmente bonita. 

Ao seu lado, de pé, Bruno parecia não saber direito se caminhava ou ficava parado no mesmo lugar.

Ela me olhava com uma expressão indecifrável. Não era uma postura confortante ou amigável de nenhuma forma, mas tampouco era acusatória ou hostil. Ela simplesmente estava aceitando minha presença ali, por hora sem fazer pré-julgamentos. Seria bastante agradável se nosso encontro se resumisse a isso, mas infelizmente ela pareceu, depois de alguns segundos, se dar conta dos meus hematomas, então vi sua expressão de choque quase disfarçada sob um semblante bondoso. Isso não tirou, de forma alguma, sua beleza. 

– Muito prazer... - Minha recente mania em falar simplesmente para tentar diminuir o tempo de um silencioso mal-estar estava fugindo do meu controle, mas não me importei. 

Agora, eu estendia a mão para ela e esperava que ela a tomasse.

Duda se levantou com calma, estendendo a mão em resposta e segurando a minha, sacudindo com suavidade. O aperto não era forte, mas sim firme. A atitude de uma dama, de uma mulher definitivamente segura. 

– Olá. 

Eu não esperava que ela dissesse que sentia algum prazer em me ver. Duda não parecia ser o tipo de mulher falsa ou que mentia sem nenhum motivo aparente, então era exatamente esse tipo de resposta que eu esperava dela. 

O que eu não esperava era me sentir tão incrivelmente intimidada por ela, fosse por sua postura firme ou por sua beleza, que fazia com que minha autoestima quisesse cometer suicídio. 

– Você é linda. 

O som de minha própria voz ecoava de novo, e pelo riso baixo que Bruno deu, havia ecoado fora da minha cabeça. Então eu havia dito aquilo em voz alta, sem nenhum motivo aparente, sem nenhuma explicação. Sequer se encaixava no momento, mas por alguma razão que só Deus saberia dizer, eu pronunciei aquelas palavras, e me perguntei se ela me acharia forçadamente simpática ou algum tipo de puxa-saco.

Tudo nela parecia ser forte, e eu tive essa impressão principalmente pelo olhar que ela sustentava enquanto me encarava. Seus olhos eram firmes, mantinham uma ligação direta com os meus, e se eu fosse um pouco mais paranoica poderia dizer que Duda estava tentando me ler, desvendar minhas supostas mentiras e me analisar, certificando-se do quão boa ou ruim eu era para estar por perto de Bruno. 

– Obrigada. - Ela enfim falou, e como se tivessem terminado a "leitura", seus olhos pareceram se suavizar um pouco, quase imperceptivelmente, mas se mantendo diretamente ligados aos meus. - Eu me chamo Eduarda. Você é Anne, não é? 

– Ninha. - Apressei-me em corrigi-la - Me chame de Ninha. 

– Ei! 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora