Anne 32

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A expressão dele, antes indecifrável, passou imediatamente para um choque tão real que eu pude quase sorrir com o efeito que aquilo havia causado nele. 

Seria uma expressão tão engraçada se a situação não fosse tão repugnante.

Vi que ele ia responder. Não sei se ia soltar um palavrão ou falar algo que me agredisse ainda mais, mas quaisquer que tenham sido seus pensamentos, jamais puderam ser ditos. 

Vi uma mulher aparecer de repente na janela mais próxima a ele, no motorista, e eu pude identificá-la como uma das prostitutas que riam de mim enquanto eu tentava respirar há poucos minutos atrás. 

– Oi, bonitão. Parece que a negociação está complicada, né? Tempo é dinheiro, então vou te dar mais opções. Meu programa custa metade do que ela cobrou. 

Claro. A situação não estava ruim o suficiente. Não bastava eu me vestir de garota de programa suburbana, ou usar um perfume barato, ou usar um mini vestido apertado e curto que mostrava mais do meu corpo do que o aceitável. Não bastava eu cobrar para fazer sexo com o homem pelo qual eu era apaixonada e que só me via como uma prostituta mesmo. Não bastava nada disso. Agora eu teria que disputar com outra vadia qualquer pela noite dele. 

Novamente, estava dividida em partes que queriam, cada uma, coisas diferentes. Parte de mim queria entrar correndo naquele Volvo e apertar o acelerador, de modo que nos tirasse o mais rápido possível daquele lugar. Uma outra parte queria esfregar a cara daquela vadia no asfalto. Uma terceira parte queria virar as cosas e ir embora, deixando-o com uma única opção, que não era eu. 

Mas a essa altura, eu já não estava lamentando sobre mais nada que acontecia. Além disso, fazia força para não pensar, então simplesmente esperei.

Ele se virou para sua própria janela, ainda relutante em desviar os olhos de mim e ainda com aquela expressão de choque e horror no rosto, encarando agora a mulher que debruçava, como eu, na janela aberta. 

– Você, cala a boca! 

Ela se levantou rapidamente, parecendo extremamente ofendida com o tom rude de sua voz, e eu bem sabia que ela ia começar a xingá-lo. Mas dessa vez, ele a interrompeu, voltando-se para mim com a mesma expressão de raiva que havia usado com ela. 

– E você, entra no carro! 

Eu queria ter tido um pouco de tempo para pensar no assunto. Será que eu deveria fazer aquilo? Será que eu suportaria as consequências? Será que não acabaria mais machucada do que já estava? 

Mas todas essas perguntas foram feitas com o veículo já em movimento, porque era óbvio que eu havia entrado no carro imediatamente depois de ouvi-lo dizer aquelas palavras, sem nem pestanejar. Era óbvio, porque eu tinha só duas opções: Ficar longe ou ficar perto dele.

E não havia a menor necessidade de pensar nem por um momento naquilo. Embora meu orgulho devesse erguer um mínimo de resistência contra ele, era simplesmente impossível a ideia de negar ficar com ele quando eu tinha essa chance. 

Mas agora, dentro daquele carro, sentindo o silêncio incômodo pesar algumas toneladas sobre a minha cabeça, sentindo as ondas de eletricidade que emanavam do corpo do homem ao meu lado se chocarem com brutalidade contra meu próprio corpo, me deixando bastante ciente de sua presença ali, eu me perguntava: O que diabos estava fazendo?

Era uma pergunta que eu não poderia responder. Eu queria saber o que aconteceria a partir de agora, e isso era uma coisa que só ele poderia me dizer. 

E perguntar algo a ele, simplesmente lhe dirigir a palavra, estava fora de questão. Ainda estava muito cedo para fingir que tudo estava normal. 

Ele dirigia rápido. Eu sabia disso porque o único lugar para o qual eu conseguia olhar eram as ruas a nossa frente. 

Ele avançou alguns sinais vermelhos, ultrapassou muitos carros sem poder, fazia curvas fechadas e vez ou outra cantava pneus. O motivo pelo qual eu conseguia processar todas essas informações era que minha cabeça estava tão estranhamente vazia que eu tinha todo aquele tempo livre. 

Deixei que aquela enxurrada de sentimentos me varressem de cima a baixo, e aguentei o impacto da mistura de tudo aquilo dentro de mim. Eu não poderia dizer qual era o sentimento dominante, mas sabia que ansiedade, tristeza, euforia, medo, raiva, alegria e saudade eram só algumas das coisas que eu poderia descrever. 

Os minutos foram passando, e o silêncio que um dia foi confortável ao lado dele tornou-se tão insuportável e incômodo agora que eu estava quase me inclinando para frente e ligando o rádio do carro. 

Não saber o que falar tendo tanto para dizer era uma sensação esmagadora. 

Prestei mais atenção nas ruas à minha volta, e de repente me dei conta de onde estava. Não sabia há quanto tempo ele estava dirigindo - medido pelo silêncio infindável, talvez algumas décadas - mas agora eu tinha noção de que a quilometragem do Volvo estava consideravelmente mais alta, porque eram bastantes ruas a percorrer partindo do lugar em que eu morava para o lugar que ele morava.

Olhei-o do canto do olho, com receio de virar a cabeça em sua direção. Notei que ele mantinha uma postura firme e digna, imponente e controlada, como se tivesse acabado de ter nada além de um pequeno aborrecimento. 

Ele também não desviou os olhos da rua um segundo sequer, mantendo-se rígido mesmo nos poucos sinais em que fora obrigado a parar para não causar acidentes em cruzamentos. 

Invejei-o por sua força e sua segurança, e imediatamente me senti mais patética e ridícula por traçar essa comparação entre nós e notar que agora meu estado estava próximo ao pânico. 

Tudo bem. Ele está calmo, você também deveria estar. 

Não é como se você não soubesse fazer o que está prestes a fazer. 

O carro entrou em um lugar fechado, e eu reparei de repente que estava na garagem do prédio onde ele morava. Paramos bruscamente, então ouvi o barulho suave do motor, já muito silencioso, ser desligado e a chave ser puxada com força da ignição. Algumas frações de segundos depois, ele saía de seu carro, escancarando a porta do motorista sem nenhum cuidado e a batendo com força ao sair. 

Ele estava furioso.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora