Ela continuava me encarando, obviamente não entendendo do que se tratava minha repentina depressão.
— Eu vou embora daqui, antes que enlouqueça. — Tirei as chaves do carro de dentro do bolso e entreguei a ela. — Pode cuidar dele pra mim? Não estou em condições.
— Tudo bem. Por favor, se cuide. Tente dormir, esquecer o que quer que esteja pensando.
— Duda, eu não vou pra casa. — Tive que dizer a verdade para ela. Parte porque o álcool me forçou, mas também porque eu não via motivos para mentir naquele momento.
Duda me encarou por mais algum tempo, mas sua discrição sempre fora maior que sua curiosidade. Ela não sabia para onde eu iria, ou com quem eu iria me encontrar, mas era o suficiente saber que não cabia a ela me fazer perguntas potencialmente indiscretas.
— Certo. Você sabe o que está fazendo? — Ela perguntou, preocupada.
— Não. — Admiti. — Mas, no momento, esse é o melhor lugar em que eu posso estar.
Levantei-me, terminando o oitavo copo de whisky, e caminhei para a saída. Ouvi ao longe algumas pessoas mencionando meu nome, mas não estava com disposição para conferir do que se tratava. E, afinal, não devia ser importante mesmo.
Usei meu celular para informar à companhia de táxi o lugar onde o motorista deveria vir me buscar. Depois de cinco longos minutos, um carro amarelo vivo parava à minha frente. Entrei, batendo a porta com um pouco de força, e então recitei o endereço de destino.
Não esperei ser recepcionado por quem quer que fosse. Ao entrar no recinto, tracei um caminho certo desde o início, simplesmente ignorando a presença de desconhecidos à minha volta ou a menção do meu nome por diferentes vozes femininas.
Subi as escadas, tomando cuidado com os degraus que vez ou outra saíam de foco. Lembrei-me que Anne não gostava de mim nesse estado, e imediatamente me arrependi de ter bebido todas aquelas doses de whisky. Senti o medo da rejeição me atingir como um soco, e me concentrei para me manter equilibrado enquanto alcançava o último degrau, caminhando um pouco cambaleante para o corredor.
Eu sempre tive boas maneiras. Felizmente, se tinha algo do qual eu podia me gabar era de minha educação e meu cavalheirismo. Assim, só pude colocar a culpa na bebida quando uma total falta de classe me atingiu, fazendo com que eu simplesmente girasse a maçaneta do quarto de Anne e entrasse, sem a menor cerimônia.
Encontrei um quarto vazio, a cama feita. Fui possuído por um ódio irracional antes mesmo de verificar o motivo pelo qual ela não estava no quarto. Talvez ela tenha saído, meu lado otimista argumentou, mas quase que imediatamente foi atropelado pelo lado pessimista, dizendo: "Ou então ela pode estar no salão se oferecendo para qualquer um."
Talvez uma das vozes que eu decidi ignorar fosse dela. Não. Eu reconheceria sua voz falando qualquer coisa, principalmente o meu nome. Talvez ela pensasse que eu não viria hoje, já que ontem estive ausente. Era possível. Mas de qualquer forma, ela deveria estar ali, não é?
Segura e escondida de todos aqueles homens cheios de más intenções. Devo ter divagado por um bom tempo, de pé, olhando para a cama, e então um barulho de tranca de porta me despertou. Olhei para a direita pela primeira vez, como se antes a porta do banheiro não estivesse ali, e fiquei olhando-a ser aberta e revelar, lentamente, uma Anne molhada da cabeça aos pés, tentando se enrolar em uma toalha fofa branca, deixando à mostra partes de seu corpo entre as fendas que o pano fazia. As partes do corpo dela mais lindas.
Ela demorou para notar minha presença ali. Estava cantando uma música qualquer, olhando para o chão enquanto balançava as pontas da toalha em seus cabelos, tentando deixá-los menos molhados. Não sei se fiquei em silêncio porque estava hipnotizado ou porque tinha alguma esperança de que talvez ela não fosse reparar em mim bem ali, no meio do quarto, olhando para ela com cara de psicopata. Era incrível como ela estava mais bonita do que eu lembrava. Talvez isso se devesse ao fato de que eu vinha tentando não lembrar dela, tentando afastar a imagem dela dos meus pensamentos. Talvez uma parcela dessa culpa também fosse das doses de whisky, mas o fato era que, naquele momento, Anne era, sem dúvida alguma, uma das coisas mais lindas que eu já havia visto na vida.
— AAAHHH!
Ah, sim. Eu ainda estava ali, no meio do quarto dela.
— Oi. Desculpa.
— Porra, Bruno! — Ela falou, puxando a toalha de todos os cantos e tentando cobrir as partes que eu olhava como um tarado.
— Desculpa, eu não sabia que você ia sair nua de lá de dentro. — Falei meio sem pensar — E não é como se eu já não tivesse visto, né? — Sorri maliciosamente.
— Não é porque você já viu que pode entrar no meu quarto e ficar me assistindo aqui!
— Tá bem, tá bem. — Eu disse, como se desse razão a ela e estivesse prestes a sair do quarto. Mas devido ao meu estado alcoolizado, continuei olhando para seu corpo, como se não tivesse dito absolutamente nada.
— OI? — Ela gritou.
— Mas que saco! — Virei, a contragosto, fitando uma parede branca e incrivelmente sem graça por longos cinco segundos. — Já posso olhar? — Perguntei, impaciente. Sem esperar uma resposta, virei novamente para encará-la.
Ela terminava de vestir um robe bege muito claro, cuja cor era incrivelmente parecida com a tonalidade de sua pele. Não sei como isso era possível, mas só de olhar para ela eu conseguia sentir — ou achar que sentia — o frescor do banho recém-tomado e a maciez daquela pele clara, ainda um pouco úmida e extremamente convidativa. Deus, eu estava com saudades dela.
Fiquei admirando-a como um cachorro admira um frango sendo assado na padaria, mas estava muito bêbado para me sentir envergonhado por isso. Ela continuava tentando secar melhor o cabelo com a mesma toalha, enquanto também me encarava com um olhar curioso e ainda um pouco irritado.
— Por que não veio ontem? — Ela quebrou o silêncio, indo se sentar na cama.
— Porque não quis. — Achei melhor resumir toda a situação do "quero-parar-de-pensar-em-você" com essa pequena frase. Não que eu me importasse em falar a verdade, dado o alto nível de álcool no meu corpo, mas simplesmente não queria falar muito.
— Ah. — Ela desviou o olhar, e imediatamente notei que minha resposta parecia grosseira. — Pensei que você viesse todos os dias, já que pagou por eles...
Eu também havia pensado nisso, mas graças ao pânico e confusão recentes em que me encontrava ao me pegar pensando nela ou a desejando, tive que mudar meus planos. Sim, no final das contas, eu era um covarde.
— Você deve ter notado que eu bebi. — Tentei mudar de assunto, indo me sentar do lado dela, um pouco mais próximo do que o ideal. — Mas não vou machucar você.
— Eu sei que não. Que besteira. — Ela falou, soltando um sorriso sarcástico.
Sem pensar muito, levei minha boca ao pescoço dela, beijando-a de leve embaixo da orelha. Senti a temperatura fresca de sua pele com os lábios, e imediatamente notei que ela estava arrepiada. Apoiei-me com o braço esquerdo na cama, enquanto levava minha mão direita até sua nuca, trazendo-a mais para perto. Intensifiquei o beijo em seu pescoço, deixando lufadas de ar em sua pele e sentindo, com o rosto, a maciez do rosto dela.
— Por que não está usando o seu perfume?
— Não precisei do creme essa semana. — Ela falou, ofegante.
Era verdade, o tal creme servia para melhorar os hematomas que ela conseguia com os clientes. Como eu paguei pela semana inteira, ela obviamente não tinha adquirido novos machucados para a coleção. Fiquei satisfeito com esse fato, mas eu realmente, realmente gostava daquele perfume.
— Quer que eu passe pra você?
Para mim.
Ela não passaria porque estava machucada, porque precisava. Ela passaria para mim. Porque ela sabia que aquela porra daquele perfume me deixava louco.
VOCÊ ESTÁ LENDO
De repente, amor
Romance♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...