Bruno 18

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O dia ocorreu como esperado. Compareci a quatro reuniões importantes com Duda, e pela primeira vez, pude tomar decisões sem precisar que ela interviesse, só porque eu poderia ter falado uma besteira ou duas.

Antes de cada uma das reuniões, ela me explicou o motivo das discussões, quais eram os objetivos dos clientes e os nossos. Foi até interessante notar que, de certa forma, o trabalho que eu teoricamente fazia há alguns anos não era tão monótono e desagradável como eu pensava. Tive que dar razão às especulações de Duda quando ela dizia que eu só não gostava do que fazia porque nunca havia tentado fazer direito. Senti-me um idiota perguntando-a sobre certas coisas que eu obviamente já deveria saber, mas pude contar com o profissionalismo e a amizade dela para esclarecer pontos importantes que, até então, haviam sido negligenciados.

Entretanto, nem meu empenho em não pensar em nada além dos assuntos relativos à empresa conseguiu impedir que eu não lembrasse, duas ou três vezes, dela.

— Estou orgulhosa de você.

Encarei Duda um pouco atordoado, voltando de meus devaneios. Estávamos em minha sala; ela sentava em uma das cadeiras à frente da minha mesa, e eu ocupava meu lugar na poltrona preta de couro.

— Ah... Obrigado.

— Suas decisões foram boas. E eu nem precisei me meter. — Ela me encarava, sorrindo.

— Bom... Acho que prestei mais atenção dessa vez.

Ela continuou me fitando por algum tempo, então falou:

— O que está acontecendo com você?

— Por que está perguntando isso?

— Porque você muda da água para o vinho de um dia para o outro. Eu chego aqui e te vejo deprimido e cansado do trabalho. No dia seguinte, seu olhar parece ter um brilho de alguém que acabou de descobrir que se apaixonou pela primeira vez. Então, mais um dia e você está a confusão em pessoa. Não sei o que você tem, e não sei quem está fazendo isso, mas você parece perdido.

Encarei-a sem dizer nada. Eu não tinha o que dizer. Não tinha como justificar meu comportamento estranho durante aqueles dias. E ela estava certa, eu estava perdido.

— No entanto — ela interrompeu meus pensamentos —, tem vezes que eu olho para você e parece que, pela primeira vez depois da sua grande fossa, você está começando a se encontrar outra vez. Que ironia, não é?

— Minha vida é cheia de ironias, Duda.

Ela sorriu.

— Tudo bem, Bruno. Não vou forçar a barra. Se e quando você quiser, venha conversar comigo. Eu sou ótima ouvinte, você sabe disso. Talvez eu possa te ajudar, se você me deixar tentar.

Duda se levantou e caminhou elegantemente até a porta.

— Ah — disse, se virando novamente para me encarar —, amanhã você tem outra festa. Eu te disse isso hoje, mas é sempre bom lembrar. Seria bom se você fosse, mas se realmente não quiser ir...

— Eu vou. — Apressei-me em falar, antes que pudesse pensar no fato de que eu realmente não queria ir e de que preferiria estar em outro lugar amanhã à noite.

— Tudo bem. Vá para casa dormir, seus olhos estão péssimos.

Deviam estar. Eu estava péssimo, e temia que o caos que se formava dentro de mim tomasse proporções maiores. Por isso, tão rápido quanto admiti que não era minha vontade, tomei a decisão de deixar minhas necessidades de lado e realmente ir para casa. A minha, não a de Rayana.

Acordei na manhã seguinte reinado por um forte mau humor, parte porque eu sabia que meu dia não seria bom, e parte pela noite novamente mal dormida. Despertei algumas vezes de madrugada por culpa de sonhos ruins, e todos eles contavam com a ilustre presença dela. Sonhei com um Pedro sem rosto, que batia tanto nela que a deixava desacordada. Outro sonho consistia em uma realidade paralela onde ela parecia não me conhecer, e um terceiro consistia em nós dois fazendo sexo selvagem, na minha cama.

Os três sonhos, de uma forma ou de outra, me apavoraram. Para minha infelicidade, não tive que comparecer a muitas reuniões ao longo do dia. O que antes era um castigo, agora se mostrava uma forma eficiente de manter meus "fantasmas" um pouco afastados de mim. Ao invés disso, fiquei o dia praticamente todo sentado à minha mesa, lendo e relendo contratos.

Infelizmente, pude constatar que era muito fácil perder o fio de pensamento com simples leituras. Por isso, obriguei Duda a ficar do meu lado o dia inteiro, lendo comigo os papéis. Dessa forma, quando sua perspicácia a avisava de que minha cabeça estava muito além das linhas dos contratos à nossa frente, ela me chamava novamente à realidade.

Entretanto, nada disso me distraía do fato de que estava cada vez mais difícil não pensar nela. Conforme o tempo que eu me recusava a lembrar de sua presença aumentava, maior era a dificuldade em não deixá-la invadir minha mente repentinamente. Eu não poderia fugir dela por muito tempo, e isso estava ficando cada vez mais claro.

Às 18h fui para casa tomar um banho e me arrumar para a festa à qual iria comparecer. Não tinha como objetivo fechar contratos, mas aparentemente, minha presença era algo importante, segundo Duda me dissera. Dessa forma, em pouco mais de meia hora, eu já estava pronto, ainda me perguntando qual seria a melhor opção: sair assim que minha cota de presença fosse suficiente, me livrando daquele castigo o quanto antes, ou permanecer na festa o maior tempo possível, evitando que eu fosse parar em um lugar que eu queria ir, mas que estava tentando não querer.

Rumei para meu Volvo trajando roupas menos formais do que as que estava acostumado a usar, e pouco tempo depois fui recepcionado por pessoas que eu tinha certeza que nunca havia visto na vida, mas que mesmo assim me chamavam pelo primeiro nome. A casa era luxuosa, como todos os lugares em que festas daquele tipo aconteciam. Grande parte das paredes eram de vidro, dando um estilo clean ao ambiente. No fundo, um jazz sem graça tocava, me dando sono e me fazendo lembrar de como odiava o som de saxofones. Mulheres em vestidos curtos, decotados e caros passeavam entre os convidados sem nenhum objetivo aparente, bebendo taças de champagne e rindo de piadas idiotas proferidas por velhos ricos e abusados.

Graças a Deus, não demorei a encontrar Duda. Corri para seu lado, decidindo que faria o possível para me sentir à vontade e me divertir naquele lugar.

— Uau, você está um gato!

— Não me faça corar na frente dessas pessoas, Duda. — Falei, recebendo um sorriso dela em resposta.

— Algumas pessoas daqui querem te conhecer. Que tal fazer novas amizades? — Ela falou, com um sorriso debochado.

— Não seja falsa.

— Vamos lá, eles não são tão ruins.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora