Anne 43

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Não sabia em que momento eu havia deixado de sonhar e finalmente entrei na zona confusa e nebulosa que antecede a consciência. Meus olhos mantiveram-se fechados. Estava me permitindo sentir a realidade outra vez, talvez um pouco mudada pelo sonho recente que ainda lampejava dentro de minha cabeça. 

– Eu te amo - Ele disse, e então um milhão de borboletas começaram a voar dentro do meu estômago. Fiquei muito quieta, saboreando a sensação do bater de asas, querendo mais do que tudo acreditar na veracidade daquelas palavras. A alegria começava a me preencher totalmente, mas então tudo ficou estranho de repente, porque em seus olhos eu pude ver um traço de confusão e dúvida. 

Engoli o sorriso enquanto o encarava, minha cabeça pesando agora algumas toneladas. Ele me encarava de volta, parecendo querer manter-se estável e sustentar suas palavras, mas seus olhos cor de ocre simplesmente não eram convincentes. 

– Você tem certeza? 

Ouvi uma voz formular em alto e bom som a pergunta que me machucava, e me surpreendi ao constatar que aquela era minha própria voz, emitida sem que eu sequer movesse os lábios. Mesmo assim, esperei por sua resposta. Por um momento. Por alguns segundos. Por muitos segundos.

Ele não respondeu, e ao invés disso, continuou me encarando com olhos incertos. 

Senti uma dor aguda ao constatar que agora, além da dúvida, havia um inconfundível traço de pena naquele dourado perfeito. Nós dois ficamos em silêncio. Ele sem saber como dizer a verdade - que havia se enganado, que não era amor o que ele sentia - e eu tentando lidar com a dor insuportável no peito por ter a rápida e quase inexistente esperança arrancada de mim em um piscar de olhos. 

A dor era muito forte. Insuportável. 

Então, eu acordei. 

Agora, de olhos fechados, eu inspirava profundamente, sentindo a angústia dilacerante deixando minha alma aos poucos. Tinha sido apenas um pesadelo, e embora isso não quisesse necessariamente dizer que aquilo era apenas minha imaginação, eu podia me sentir um pouco mais viva. 

De repente, fui atingida em cheio pela dúvida sobre quando exatamente meu sonho e minha realidade se separavam. Eu estava acordada, mas desde quando estivera sonhando com Bruno? Há poucos minutos? Desde que havia deixado meu apartamento? Desde a noite em que havia voltado para a rua? Talvez ele tivesse surgido apenas em meus sonhos, e então nosso reencontro não fora real. Talvez agora eu tivesse que voltar para minha antiga vida, na qual dia após dia eu reunia forças simplesmente para continuar vivendo um pouco mais.

Com um pouco mais de medo do que eu queria admitir, abri lentamente os olhos, aos poucos me acostumando com a pouca claridade do lugar e com a disposição dos objetos e móveis à minha volta. Era o mesmo quarto presente no sonho que eu havia tido com Bruno, onde ele havia me achado, eu havia resolvido confessar a ele meus sentimentos, nós dormimos juntos, ele me levou para morar em sua casa e, finalmente, havia se declarado também. 

Então, talvez, tudo tenha mesmo acontecido. 

Minha mão pesava livremente ao lado direito do meu corpo, o que me fazia pensar que talvez eu estivesse no limite da cama, a centímetros de cair dela. Olhei para baixo e constatei que estava certa. 

Virei-me devagar para o lado oposto e dei de cara com Bruno, ainda inconsciente, tão próximo a mim que apenas minha metade da cama era ocupada por nós dois, sua cabeça em meu próprio travesseiro, o dele completamente esquecido no enorme espaço desocupado do colchão. Nossos narizes não se tocavam por uma distância mínima. 

Ele dormia tranquilamente, seu exercício de expiração e inspiração era perfeito, profundo e hipnótico. Sua expressão era serena, um de seus braços relaxado em cima da minha barriga. Encarei-o por algum tempo, não querendo pensar no que já estava pensando.

Eu estava convicta de que meu sonho não havia sido incoerente. Não que eu não quisesse criar esperanças, apenas estava convencida de que sua declaração da noite anterior não podia ser levada a sério.

Não que ele tivesse mentido. Eu pude ver de perto a intenção em cada palavra que ele havia pronunciado. Mas não havia como deixar de pensar que, ao invés de mentindo, ele estivesse apenas confuso.

Para minha própria sanidade mental, eu tinha que colocar alguns pontos em ordem: Bruno NÃO me amava. Embora ele parecesse ter sido sincero, cedo ou tarde sua razão voltaria e ele enxergaria que se enganou. Ele NÃO sentia por mim o que eu sentia por ele. No máximo, algum interesse carnal misturado com um sentimento de culpa um pouco deturpado e com certos exageros. NÃO fazia sentido ele se apaixonar por mim. 

Bruno poderia ter as mulheres que quisesse, em qualquer momento. Talvez todas elas ao mesmo tempo. 

Quando ele finalmente se desse conta desses fatos, eu acabaria na merda outra vez, tendo apenas um "sinto muito" para me consolar.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora