Anne 48

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Ele se afastou de mim, outra vez com expressão de quem acabara de ser agredido verbalmente. Seu rosto, antes suave, agora se contorcia em uma careta de raiva. Por fim, falou em um tom extremamente rude. 

– É falta de educação perguntar isso. 

Senti meu rosto ferver imediatamente pelas suas palavras, então tive a certeza de que eu agora parecia uma pimenta. Extremamente envergonhada, dei mais uma vez uma rápida olhada em Duda, que nos encarava com uma curiosidade genuína. 

– Desculpe. - comecei, encarando-o outra vez - Não queria soar grosseira, só queria saber quanto eu te devo. 

– Nada. - Ele respondeu, ficando de pé, Duda imitando seu ato - Não me deve nada. 

Como se quisesse compensar sua atitude um pouco ofensiva, Bruno estendeu sua mão para que eu a pegasse, me ajudando a levantar. Olhei para seu gesto por algum tempo, pensando na sua simplicidade e, ao mesmo tempo, no tamanho de seu significado. 

– Podemos conversar sobre isso depois? - Falei, agora encarando seus olhos dourados. 

Ele não se mexeu, sua mão ainda estendida para que eu a tomasse. De alguma forma, entendi que aquilo não era um "não", então aceitei sua ajuda, segurando firme sua palma. Mais uma vez, a pequena corrente elétrica percorreu minha pele no lugar onde estava encostada a pele dele, e então me permiti aproveitar e me acostumar com aquela sensação. 

Quando Duda deixou a mesa, antes de nós dois, senti os dedos dele se fecharem e apertarem minha mão com força, não me machucando, mas sim passando algum tipo de mensagem como "não, não quero soltar". E então esse pequeno gesto fez com que meu coração começasse a bater freneticamente, como se eu fosse uma pré-adolescente descobrindo que seu amor platônico na verdade era correspondido. 

Só voltei a notar outra vez o mundo à nossa volta quando Duda se manifestou. Já estávamos na rua, na outra calçada, e eu não me lembrava de como fomos parar lá. Instintivamente, quando ela se virou, me forcei a soltar a mão de Bruno, que pareceu irritado com minha atitude. 

– Vai trabalhar amanhã? - Duda o encarou, interrogativa. 

Ele pareceu ponderar por algum tempo, e eu me perguntei o motivo da dúvida dela. "Amanhã" era segunda-feira, por que ele não iria trabalhar? 

– Vou. - Ele respondeu, e ela pareceu se iluminar com sua simples resposta. 

– Vou estar esperando.

Então tive a impressão que Duda não se despediu adequadamente de Bruno porque, se o fizesse, teria que se despedir de mim também. Por isso, um "até logo" pontuou sua frase direcionada para nós dois, e a última coisa que pude ver foi ela entrando em seu carro, dando a partida e sumindo pelo final da rua pouco movimentada.

– Por que soltou minha mão? - Ele quebrou o silêncio, me encarando com um olhar acusatório. 

– Porque Eduarda não ia gostar de nos ver... - Comecei, mas logo fui interrompida. 

– E por que você se importa com o que ela gosta ou deixa de gostar? 

– Não quero que ela goste menos de mim. 

Ele recebeu minha explicação calado, e depois de me encarar por algum tempo, o que constatei ser mais uma profunda e minuciosa análise, finalmente acionou o segredo do carro e abriu a porta do carona para que eu entrasse. 

– Onde vamos? - Perguntei com o carro já em movimento, grata a mim mesma por notar que estava desenvolvendo a capacidade de quebrar o silêncio entre nós dois com mais facilidade a cada dia. 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora