Anne 56

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Felizmente, ele não pareceu perceber que minha sanidade estava se desfazendo como algodão doce. 

No segundo seguinte, o telefone ficou mudo, me informando de que Bruno tinha coisas mais importantes a fazer além de me esperar resolver desligar. 

Desdobrei distraidamente o papel usado para anotar o endereço do restaurante sugerido por Duda, e me dei conta de que aquele era o bilhete daquela manhã. Passei o olho mais uma vez pela última frase do papel, e como se não estivesse sozinha, falei em uma voz muito baixa, apenas para sentir a sensação boa das palavras se desprendendo da garganta. 

– A propósito: Eu também te amo.

Eu pegaria um ônibus se soubesse qual linha me deixaria mais próxima ao endereço anotado. 

Como esse não era o caso, pedi para que o porteiro chamasse um táxi para mim, e então eu já esperava Duda em uma mesa para duas pessoas. Embora o lugar fosse ainda bastante elegante - o que eu vinha aceitando com mais frequência, já que nada naquelas redondezas poderia ser barato - parecia ser menos caro do que os dois restaurantes em que já estivera com Bruno antes. 

Ela chegou pontualmente no horário marcado. Me sentindo mais intimidada do que desejava, tentei parecer o mais alheia possível à sua presença, mas pareci mais um pinto acuado do que qualquer outra coisa. 

– Oi... - Comecei, me levantando assim que ela me alcançou. - Obrigada por fazer isso. 

– Tudo bem. 

– Acho que temos que almoçar logo, já que você tem que voltar... 

– Bruno me deixou demorar o tempo necessário. 

Encarei-a espantada por nunca ter imaginado um chefe tão compreensivo nele.

Como se pudesse ler meus pensamentos, ela se apressou em falar: 

– Não pense que ele é sempre assim. É claro que sair com você teve algo a ver com o surto de bondade. Ou isso, ou então é o espírito do Natal. 

Ri outra vez, o que pareceu surpreendê-la um pouco, mas ela não foi rude em momento algum. Era claro que não deixaria de lado as formalidades entre nós, já que sequer nos conhecíamos - além do fato de ela não ir com a minha cara - mas eu podia jurar que Duda estava se esforçando para ser o mais cordial possível comigo. 

O restaurante em que nós estávamos era especializado em massas, onde todos os pratos pareciam deliciosos. Como não conhecia o tempero da casa, segui a sugestão dada por ela. 

Enquanto esperávamos os pratos, me senti obrigada a iniciar o assunto, já que podia notar sua preocupação disfarçada. Então lembrei de que, embora tivesse falado que o assunto era sobre Bruno, eu não havia dado mais detalhe algum. Talvez ela estivesse achando que eu planejava matá-lo ou coisa assim. 

– É algo simples, acho que eu nem precisava ter tirado você do trabalho... - Comecei, me dando conta pela primeira vez de que havia a atrapalhado à toa e imediatamente corando por isso - Eu só preciso de uma opinião sua sobre o que dar de Natal pra ele. 

Ela sorriu despreocupadamente, enquanto olhava para cima. 

– Você me tirou de lá pra me perguntar isso? Realmente, não precisava. 

Senti meu rosto ferver de vergonha. 

– Não, não quis dizer dessa forma! - Ela se apressou em dizer, vendo que eu provavelmente parecia agora um morango gigante - O que eu quis dizer foi que você não precisava ter pedido a minha opinião nisso. Compre qualquer coisa, ele vai adorar. 

– Ele gosta de tudo que dão a ele? - Perguntei, me sentindo um pouco menos mal. 

– Não. Ele odeia tudo que dão a ele. Nunca acertei um presente sequer. Mas se você der um dvd sobre técnicas de meditação hindu, ele vai adorar. 

Me perguntei se era exagero o fato de Duda frisar meu nome toda vez que se referia a Bruno, mas achei melhor não verbalizar a dúvida. 

– Ahm... Eu queria dar algo que ele realmente gostasse. 

– Como disse, não posso ajudá-la nisso. Eu mesma nunca acertei. 

– Ele não está precisando de nada? 

Me senti idiota antes mesmo de terminar a frase. Era óbvio que Bruno não precisava de nada, porque se precisasse, providenciaria. Ele era o tipo de pessoa que podia se dar a esse luxo. 

– Não. - Ela respondeu minha pergunta quase retórica, e agradeci em silêncio por Duda não rir da minha cara.

– Não sei... O que você vai dar pro seu marido?

Outra vez o arrependimento chegou em mim como um soco mal dado, então imediatamente me odiei por pronunciar aquelas palavras. Duda me fitou nos olhos, e desejei profundamente que ela não pensasse que eu estava comparando, de alguma maneira, a relação que eu tinha com Bruno com a que ela tinha com seu marido. 

– Eu não quis dizer... - Comecei, desesperada, mas Duda me interrompeu.

– Posso te pedir uma coisa? - E sem esperar uma resposta minha, ela continuou - Tente relaxar perto de mim. Seu desconforto está me dando agonia. Eu não mordo, e não estou aqui pra julgar cada palavra que sair da sua boca. Como você vai entender algum dia, eu não sou uma pessoa dada a pré-conceitos.

Não era como se eu pudesse escolher entre ficar ou não nervosa perto dela. Eu simplesmente ficava. 

Como não consegui fazer o que ela pediu e me acalmar, só me restou continuar encarando-a, esperando que fôssemos interrompidas por qualquer coisa, fosse pelo garçom ou por uma chuva de meteoros em chamas.

Felizmente, fui presenteada com a primeira opção, então ficamos em silêncio por algum tempo, ambas compenetradas em seus próprios pratos. 

Vez ou outra, Duda sugeria alguma coisa, mas logo em seguida refutava sua própria ideia dizendo que "não, talvez outra coisa". 

Me senti um pouco mais calma com a rapidez que ela parecia ter esquecido do assunto em questão.

Não chegamos a conclusão alguma. Mesmo que estivesse esperando alguma ajuda por parte dela, não fiquei irritada ou decepcionada. Já que agora eu sabia que agradar Bruno era uma tarefa difícil, não poderia culpá-la por isso. 

Depois de algum tempo debatendo opções - mais um monólogo de Duda do que um diálogo dela comigo - saímos do restaurante e caminhamos um pouco por algumas ruas. Embora não tivéssemos muitos assuntos a serem discutidos, fiquei feliz por notar que ambas estavam se esforçando para que aquilo não se tornasse algo desagradável. Como imaginei que grande parte do tempo que passaria com Duda seria preenchida com um silêncio desagradável, as poucas palavras trocadas entre nós conseguiram me deixar mais animada do que pensei que ficaria. 

Chegamos a um edifício imponente, e quando olhei para Duda notei que ela havia nos guiado para lá. 

– Onde estamos? 

– Em um shopping. 

Não parecia um shopping do lado de fora, mas foi ao entrar que notei a grande variedade de lojas. A diferença desse lugar para o que eu estivera com Bruno havia poucos dias era que, aqui, eu não me surpreenderia se visse algum tipo de faixa na entrada com os dizeres "Só entre se tiver muito dinheiro". 

– Bruno me disse que você prometeu a ele que algum dia compraria as roupas que ele queria. 

Aquele calculista! 

– Ele te mandou me trazer aqui? 

– Não. Mas me pediu pra que te ajudasse. Só, pelo amor de Deus, não me diga que vou ter que escolher lingeries ou coisas do tipo.

Ela fechou os olhos tentando afastar o pensamento, e eu tive que rir com sua reação. 

– Não... Ele só quer comprar roupas caras. Queria entender essa tara por gastar... 

– Não é tara, acredite. Ele não é consumista, e nem um pouco materialista. Bruno só tem a mania de querer cuidar em excesso das mulheres que ele gosta. Por isso parece um pouco obcecado às vezes. 

– Ele fazia isso com ela? 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora