Sua expressão era dura e fria. Era a mesma expressão que eu lembrava ter visto da última vez, há meses atrás. Uma expressão carregada de raiva, rancor e, quase imperceptivelmente, um pouco de confusão. Mas eu tinha experiência com aquela expressão, então sabia o que esperar.
Sabia que nada de bom poderia vir dali.
Ele respirou fundo, enquanto visivelmente tentava não explodir, e enfim quebrou o silêncio.
– Tome um banho. Tire essa roupa vulgar e esse perfume de puta barata. Lave o rosto para que eu não sinta nojo de falar com você.
Certo. Era mesmo um pouco daquilo que eu esperava, no final das contas.
Mas é quando você ouve todas as palavras que a dor verdadeira te atinge, então mesmo esperando por aquilo, suas palavras me atingiram como um chicote outra vez.
Exatamente como na última vez.
Eu poderia mandá-lo ir a merda e sair dali imediatamente. Poderia me negar a receber ordens dele, ou então ignorá-lo e exigir dele uma explicação por todo esse tempo em que esteve ausente. Mas eu estava tão machucada, dominada por uma exaustão mental tão grande, tão intensa, que simplesmente aceitei.
Meu orgulho agora me deixava para sempre, e em seu lugar uma aceitação patética surgia com tanta intensidade que eu não tinha forças para nada. Não tinha forças para discutir, ou para lutar pelo pouco de dignidade que ainda existia em mim.
Ele queria me ver como eu era antes, mas isso não seria possível.
A Anne de antes havia morrido justamente aquela tarde, e morria mais a cada segundo que passava, a cada palavra que saía da boca dele. O que me restava então?
Me movi em direção à porta a minha esquerda, usando o resto da minha força de vontade para me manter em pé. Ao entrar, tranquei a porta e automaticamente tirei a roupa e os sapatos que usava. Segundos depois, estava embaixo de uma ducha de água morna, que me molhava enquanto minha cabeça finalmente optava por parar de pensar. Agora que a euforia em reencontrá-lo havia ido embora, tudo que restou foi o vazio ao constatar que o Bruno de agora era um homem que fazia questão de esquecer que um dia me conheceu e que parecia se importar comigo.
O choro veio rápido demais para que eu pudesse contê-lo, então as lágrimas se misturaram com a água que escorria pelo meu rosto. Deixei que elas saíssem, como se fossem um pouco da tristeza que eu sentia indo embora de dentro de mim. Fechei os olhos e senti a força da água bater na minha pele, como se pudesse me deixar mais forte e mais viva. Alcancei o sabonete e esfreguei com força todas as partes do meu corpo. Sentia uma dor quase física no peito, e lutei contra o choro para que ele não atingisse níveis maiores e me fizesse soluçar.
Eu não deveria ter aceitado o programa. Onde estava com a cabeça? Por que eu achava que poderia sair bem dessa situação? Por que achava que minha vida ia ficar um pouco melhor do que toda aquela merda que eu estava vivendo?
Quanta ingenuidade.
Me sequei com a toalha branca ao lado do box e, sem pensar se poderia fazê-lo ou se seria adequado, alcancei o casaco branco pendurado atrás da porta e o vesti.
A peça de roupa ficava enorme em mim, cobrindo todas as partes necessárias. O moletom tinha o cheiro dele, e senti uma raiva profunda de mim mesma por me permitir gostar daquele perfume.
Me olhei no espelho e constatei meu atual estado. Não era bom.
Havia manchas da maquiagem escura borrada remanescente do banho que agora desciam pelas maçãs do meu rosto, me dando uma aparência gótica-suicida.
Meu nariz e meus olhos estavam incrivelmente vermelhos e marcados pela recente crise de choro, e meus cabelos estavam embolados.
Limpei a maquiagem restante espalhada de forma caótica pelo meu rosto e penteei o cabelo com os dedos.
Peguei as roupas que eu usava e pendurei onde há pouco estava o casaco de moletom agora em mim. Não sabia se o perfume ainda estava entranhado na minha pele como antes, mas não me importei.
Saí do banheiro sem emoção alguma, e o vi agora apoiando uma das mãos no vidro, novamente de costas para mim.
Sua postura parecia tensa, e pela carga tão grande de energia que emanava dele, eu poderia até dizer que ele estava odiando aquela situação tanto quanto eu.
Mas ninguém poderia estar pior do que eu naquele momento. Nem dentro daquele quarto, nem fora dele.
Me mantive de pé, encarando sem vida suas costas, enquanto esperava que ele me dissesse o que queria de mim. Se antes o fato de ser ignorada não me incomodava, agora eu queria atenção. Só queria fazer o que tinha que fazer logo e ir embora dali o mais rápido possível.
– Senta.
Fui surpreendida por sua voz rouca, rasgando o silêncio do quarto bruscamente, mas me recuperei do susto rapidamente e fui sentar na beirada da cama alta.
Ele se virou para me encarar, e embora sua postura continuasse controlada e rígida, houve um vacilo bastante óbvio em sua expressão indiferente quando os olhos dele encontraram os meus. Sentindo que seu muro de resistência poderia estar começando a ruir, ele se apressou em falar.
– Por que saiu da casa de Rayana?
– Porque não podia mais continuar lá. - Respondi imediatamente, me surpreendendo com a calma e a falta de vida em minha voz.
– Por que não?
– Por que está tão curioso?
– Quero saber o que de tão grave assim aconteceu para te fazer sair de lá e preferir fazer programa com qualquer um em qualquer esquina.
– Preferir? Você acha que eu prefiro? Acha que eu estaria dessa forma se tivesse opção?
Eu deveria estar gritando com ele, pelas suas conjecturas absurdas e estúpidas, e porque ele não sabia de nada. E porque ele não tinha o direito de querer saber nada sobre a minha vida. Não depois de me abandonar.
No entanto, minha voz continuava calma e fraca, como se eu estivesse tendo uma conversa agradável sobre as estações do ano
– Então por que saiu? Por que estava naquela esquina imunda, daquele jeito? Por que se prestou a esse papel?
– Porque eu sou uma puta.

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De repente, amor
Romansa♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...