Aquela era a última mala de roupas que eu colocava no banco traseiro do táxi.
Não sabia sequer de onde tinha tirado a força de vontade para conseguir colocar tudo que me pertencia dentro de sacolas e mochilas de viagem, antecipando a hora da partida.
Eu não tinha muitas coisas. As roupas de cama, móveis e objetos de decoração que ficavam no meu quarto não me pertenciam, então só restavam algumas roupas, sapatos, livros e outros pertences menores para levar comigo.
No total, eu tinha quatro sacolas grandes onde tudo se misturava.
Muito daquilo eu nem lembrava que tinha.
Na verdade, eu não precisava de muitas daquelas coisas. A grande maioria das peças de roupa eram próprias para o que eu fazia, e em raras ocasiões as havia usado.
Lingeries, vestidos apertados e saias justas, todas peças esquecidas no fundo de algumas gavetas, quando, em um ato de rebeldia, resolvi me vestir de uma maneira mais casual e confortável para receber clientes naquela casa.
Aquela casa, que agora não era mais meu lar.
Minha estadia ali havia sido rápida, mas foi o suficiente para que eu pudesse fazer amizades.
Eu sentiria saudades de Júlia e Sophia, principalmente. Elas estiveram do meu lado em momentos importantes, e agora eu não sabia como seria sem elas.
Mas não me restava muito mais coisas a fazer, por isso optei por uma despedida rápida e objetiva.
No estado em que me encontrava, mais sensível que o normal, não consegui conter as lágrimas ao falar com cada uma das meninas que me fizeram companhia por esse curto período de tempo, mas consegui fazer com o que o drama durasse pouco.
– Vou sentir saudades suas. - Disse Sophia aos prantos, enquanto me abraçava na cozinha.
Optei por não responder, temendo que a tentativa de emitir som acabasse com o pouco do controle que eu tinha e me fizesse, também, me debulhar em lágrimas.
– Sabe o que eu acho? - Começou Júlia, sorrindo esperançosa enquanto fazia mais força para não chorar do que queria admitir - Acho que você vai ficar bem. Você é forte, sabe se cuidar.
Eu poderia responder que não, eu não sabia.
Estava perdida demais, triste demais e sozinha demais para saber o que fazer da minha vida, como iria me virar dali para frente, quais seriam os planos e qual era o momento para começar a traçá-los.
Eu estava perdida, mas não quis falar.
Isso traria preocupação desnecessária da parte delas, e embora eu precisasse de alguém, não poderia dar esse peso a pessoas que não eram responsáveis por mim.
– Quando souber onde vai ficar, nos avisa?
Apenas assenti com a cabeça, ainda evitando falar para que o choro, agora dolorido na garganta, continuasse preso.
Eu havia mentido quando disse que não sabia para onde ir.
Iria para o lugar onde Rayana havia me achado.
Era possível que eu arranjasse algum lugar para ficar por ali, enquanto tentava dar um jeito na minha vida. A vizinhança não era agradável, mas os aluguéis não eram caros, o que era bom porque eu não procurava nada luxuoso e estava em contenção de gastos, já que havia perdido uma boa quantidade de dinheiro ao pagar meus próprios programas para Rayana.
Mas ninguém precisava saber disso.
Querendo apressar as coisas, dei um último abraço em Júlia e saí pela porta dos fundos, onde um táxi já me esperava.
Era mais uma despedida. Mais uma triste despedida, como tantas outras na minha vida. Mas que despedida não é triste?
Sem olhar para trás, entrei no carro e parti.
Paguei o valor que o taxímetro indicava e saltei, arrumando as bolsas e mochilas nos ombros.
Caminhei para dentro com um pouco de dificuldade, notando que aquele lugar não havia mudado em praticamente nada.
As paredes ainda eram encardidas, a pintura de um amarelo escuro desagradável.
A mulher que me olhava do último degrau, na porta do prédio, mantinha uma expressão desagradável no rosto, quase indiferente a mim.
Chegando no último degrau, repousei as bolsas pesadas no chão e encarei-a.
– Sabe onde posso encontrar o responsável...
– Sou eu. Só tenho dois apartamentos vagos.
– Tudo bem. Qual é o mais barato?
Dois minutos depois, já estava arrumando minhas malas enfileiradas de uma forma que desse um pouco mais de espaço ao apartamento, que consistia em um cômodo grande sala-quarto-cozinha com bancada e um banheiro menor.
Tudo que decorava o ambiente era um sofá-cama marrom, um móvel pequeno e gasto comportando uma TV que eu duvidava funcionar e uma geladeira velha.
Eu lembrava que não havia burocracia naquele lugar, então todo o acordo entre as partes consistia no hóspede pagando o aluguel em dia para o proprietário, do contrário seria automaticamente convidado a se retirar sem cerimônias ou modos educados.
Naquele momento, era o que eu podia ter.
Minhas economias foram drasticamente abaladas pela minha estadia não remunerada na Casa de Rayana, o que também me lembrava que eu tinha que começar a procurar alguma coisa para fazer, antes que minha vida terminasse de desmoronar.
Deitei no sofá e encarei o teto por algum tempo.
Eu tinha que começar a tomar atitudes e sabia disso, mas minha força de vontade era quase tão grande quanto a de um toco de madeira. Eu não queria fazer nada, não sentia vontade de nada, e desejei profundamente que pudesse viver como uma planta, me alimentando apenas de luz.
Mas a vida não era perfeita, então eu precisava fazer alguma coisa, e rápido. Tinha que começar uma jornada de busca desemprego o mais rápido possível, e rezar para que conseguisse alguma coisa, qualquer coisa que pudesse me manter naquele lugar.
Eu não tinha planos para longo prazo.
Não tinha planos de nada, e isso me fez notar como minha vida estava na merda.
Simplesmente não havia o que esperar, não havia um objetivo. Meu único objetivo, dia após dia a partir de agora, seria continuar viva.
Não havia um motivo claro para isso. Eu não tinha planos, simplesmente não sabia o que seria, como seria, e a falta de meta na minha própria vida fazia com que, ao invés de me estimular a descobrir uma, eu me acomodasse numa sobrevivência apática e sem graça.
Até o dia que um milagre acontecesse ou um raio resolvesse me atingir no meio da rua.
O que viesse primeiro. Tudo bem.
Eu sempre acreditei que todas as pessoas vêm ao mundo com um propósito. Eu encontraria o meu, cedo ou tarde. Até lá, a única coisa que eu tinha a fazer era continuar vivendo.
Continuar sobrevivendo.
De repente, senti saudade da época que isso parecia ser fácil..
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De repente, amor
Romance♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...