Anne 3

341 30 2
                                    

Acordei com dores de um sono sem sonhos. Dores nos quadris, nos ombros, nas costas, nas pernas. Dores por dentro e por fora. O sono havia me permitido a falta de consciência por alguns segundos após ter acordado. Infelizmente, quando a consciência veio, trouxe junto com ela lembranças da noite anterior.
Um rapaz bonito, inicialmente gentil. Um rapaz que pagou para ficar uma noite inteira comigo e que, ao final dela, me deixou em um estado deplorável.

Um rapaz que me violentou.

Toc. Toc. Toc.

– Anne! Está acordada?

Toc. Toc.

Eu não queria responder, e queria que Júlia parasse de bater na porta. Sentia-me um lixo. Um nojo, um trapo humano.

– Anne! Já são 13h!

Toc. Toc. Toc.

Levantei-me devagar, testando a força nas minhas pernas, tentando não sentir muita dor. Ajeitei o cabelo com os dedos e fui abrir a porta. Júlia estava em pé, com uma bandeja nas mãos, trazendo um prato de cereal e suco de laranja.

– Perdi a hora. - Falei, sem vida.

O susto que ela levou quase fez com que a bandeja se esparramasse no chão. O copo deslizou um pouco, mas ela se apressou a mantê-lo onde estava.

– Anne... O que...?

Ah, sim. Eu. Eu era o motivo da sua reação de espanto, de incredulidade. Eu deveria estar por fora o mesmo trapo que estava por dentro. Cheia de marcas, cheia de resquícios de uma noite violenta e cruel.

Sem a menor curiosidade de me ver no espelho, apenas abaixei a cabeça.

– Um cliente. Um pouco entusiasmado.

– Anne... Eu sei o que é um cliente entusiasmado! Eu já te vi depois de clientes entusiasmados! Isso é diferente!

Caminhei de volta para a cama e me deitei, puxando o cobertor. Júlia me seguiu, depositando a bandeja no criado mudo ao lado da cama e sentando-se nela, ficando perto de mim.

– O que aconteceu?

Sua voz, assim como ela, era gentil. Júlia era a menina que eu mais gostava na casa. Ela se preocupava genuinamente com todas nós. Era uma amiga muito agradável e doce, embora eu a conhecesse havia pouco tempo.

Mas a doçura na sua voz, que normalmente me acalmava e fazia com que eu me sentisse melhor quando algo ruim acontecia, dessa vez provocou outra reação em mim. A doçura de sua voz despertou o rancor e o desespero do que havia acontecido.

E então, sem mais nem menos, me pegando completamente desprevenida, a vontade de chorar veio como um tapa, e eu não pude me conter.

– Ele me pegou à força! - Falei alto, enquanto começava a soluçar com o rosto enfiado no travesseiro, como se pudesse esconder dela que chorava, um choro cheio de dor. Só dor.

– Anne... - Ela murmurou em um lamento genuíno - O que ele fez?

– Me obrigou a fazer... Me forçou a fazer o que eu não faço! O que eu nunca fiz! - Eu tentava controlar os soluços entre as palavras, mas a dor e a tristeza já tomavam conta de mim.

– Ah, não... - Ouvi Júlia dizer em uma voz fraca e triste. - Ninha, eu... Ah, merda...

– AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH! - Gritei um grito abafado pelo travesseiro, tentando conter a dor no peito.

– Calma, calma... - Ela deitou de lado na cama, me abraçou e beijou meus cabelos, tentando me acalmar. Se houvesse alguém que poderia me acalmar numa situação daquelas, esse alguém era Júlia.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora