Bruno 37

189 20 0
                                    

Eu precisava encontrá-la. Tentar falar com ela, de alguma forma. 

Rayana parecia começar a entender meu estado de pânico agora, então tirou rapidamente o celular do bolso e me passou, com o número dela no visor. Como ela havia dito, o telefone estava desligado, o que fez com que meu coração acelerasse de tristeza ao ouvir o recado da caixa de mensagens dela.

Movido por um pânico crescente, repeti a ligação mais umas quatro vezes, mesmo sabendo que não adiantaria. Eu não sabia o que fazer, e continuava tentando pensar em algum plano - qualquer um - que me ajudasse a encontrá-la.

Fui tirado de meus devaneios pela batida brusca da porta se fechando atrás de mim. Virei-me e dei de cara com Júlia, que olhava para mim com uma expressão de nojo. 

– O que está fazendo aqui? 

– Você! - Explodi, sentindo um pouco de esperança ao vê-la diante de mim - Ela era sua amiga! Ela te disse pra onde ia! 

– Ela não me disse nada. - Ela falou, muito calma, ainda parecendo completamente inconformada com minha presença ali - E se tivesse dito, eu não te contaria. 

– É mentira! Onde ela está? 

– Não é mentira, seu idiota. Ela sumiu. Só Deus sabe onde ela está, e eu só espero que esteja bem. Porque se ela não estiver, a culpa vai ser toda sua. 

Eu sentia exatamente isso. Embora não conseguisse entender o motivo pelo qual me culpasse por ela ter partido, algo me dizia que a culpa de Anne não estar ali era toda minha. E se ela estivesse sofrendo agora, se estivesse passando por problemas, onde quer que ela estivesse, eu teria que viver com esse fato.

Essa certeza aumentou consideravelmente meu desespero.

Só notei que Júlia estava perto de mim quando ouvi sua voz muito perto de meu ouvido, falando de uma forma suave e fraca, mas que, ao mesmo tempo, carregava um tom de acusação que fez com que meu coração doesse. 

– Você não sabe o que fez com ela. Não tem ideia de como a machucou. 

Aquelas palavras acabaram comigo. A dor de passar três meses sem ela era quase fraca, se comparada com a dor que eu sentia agora. Eu havia a machucado de uma forma que eu desconhecia, meu comportamento rude foi a última coisa que ela pôde ter de mim, e pensar que ela sofreu por minha causa - tanto quanto Júlia deu a entender - era tão horrível que eu desejei, por um momento, deixar de existir.

Fiquei ali, parado, olhando para algum ponto que eu não poderia dizer qual era. 

Fiquei imóvel por muito tempo, sentindo toda a força daquelas palavras, daquela confissão, me nocautear. Depois de muito tempo, só Deus poderia saber quanto, me dei conta de que Júlia não estava mais na cozinha. 

Depositei o celular devagar em cima da mesa e, sem vida, me virei para ir embora. Foi então que notei que não estava sozinho: Rayana continuava ali, de pé, me encarando.

Retribuí o olhar, quase curvado pelo peso da culpa em minhas costas e pela dor dilacerante que rasgava meu peito. Eu queria chorar, mas não conseguia. A crescente desesperança em encontrá-la novamente me esmagava aos poucos, e fazia com que eu sentisse a cada segundo mais ódio da minha atitude covarde e egoísta.

Rayana me olhava com uma pena que eu sabia não merecer. Eu era um filho da puta, o máximo que as pessoas deveriam sentir por mim era raiva ou nojo. Mas ela não parecia pensar assim. Quando finalmente caminhou em direção à mesa, pegando ali um papel de um pequeno bloco com caneta e rabiscando algo, não me importei. Foi só quando ela me entregou o papel que dei alguma atenção à sua atitude. 

– Você conhece? - Ela perguntou, apontando para o nome escrito. 

– Não. - Respondi, mais baixo do que o normal. 

– É o bairro onde a encontrei antes que viesse trabalhar aqui. Ela estava em uma rua, mas eu não lembro o nome. Isso é tudo que posso fazer por você. 

Foi discreta, mas a sensação de esperança que surgiu em mim outra vez fez com que eu me sentisse levemente mais vivo.

Aquela poderia ser uma informação tanto descartável quando preciosa, e eu rezava com fervor pela última opção. Não sabia como chegar àquele bairro, mas não importava. Eu daria um jeito, qualquer jeito, porque se havia a possibilidade de Anne estar lá, então era para lá que eu iria. 

Mais algum tempo depois, olhei ao redor e me encontrei sozinho na cozinha. 

Rayana, em algum momento, havia saído, e eu até gostaria de agradecê-la pela ajuda. Mas isso ficaria para outra hora.

Saí às pressas da casa, desviando de algumas meninas que queriam me manter lá dentro, enquanto agarrava com desespero a única pista escrita no pedaço de papel que poderia me levar a ela. De repente, meu nervosismo havia voltado com força total, mas dessa vez era diferente. Se antes o medo em encontrá-la me deixava apavorado, agora o medo de não encontrá-la estava quase me matando. Quanto antes eu a encontrasse, quanto antes eu voltaria a respirar outra vez.

Dirigi rápido, com muito pouco cuidado, e foi apenas quando lembrei das recomendações de Duda - o que foi um milagre, dadas as circunstâncias - que tentei ser um pouco mais responsável na direção. Mesmo assim, eu não estava me importando muito com as regras de trânsito, então a única que eu tentava seguir à risca era não matar ninguém. 

Parei várias vezes em lugares distantes, pedindo por informações a pedestres. Aos poucos, fui me direcionando para o lugar que Rayana havia me dado, e uma hora depois eu havia chegado. 

As ruas eram muito escuras e os prédios antigos. Era visível que o bairro abrigava pessoas de renda baixa, e só de pensar nos perigos que habitavam cada esquina, estremeci ao pensar em Anne sozinha, à noite, andando por elas. 

Entrei em ruas menores, sem saber direito para onde ir, e foi então que me deparei com um dilema pessoal. Eu queria encontrá-la, desesperadamente. Mas era simples: Eu não poderia encontrá-la se ela estivesse em algum apartamento, sã e salva, enquanto assistia tv. Ela tinha que estar na rua, e se isso acontecesse, eu sabia o que ela estaria fazendo.

Ela estaria se oferecendo para qualquer um, em qualquer esquina, por qualquer quantia. 

Aquilo despertou tantas sensações em mim que eu tive que apertar os dedos no volante para me estabilizar. Eu estava irritado. Irado. Puto. Com tanto ódio que fazia meu corpo tremer. Ao mesmo tempo, estava desesperado para encontrá-la de uma vez. E com medo de que algum filho da puta já tivesse... 

 – Pelo amor de Deus, cadê você... 

Eu estava entrando em pânico. De novo. As chances de encontrá-la eram muito remotas, porque ela poderia estar em qualquer cidade, qualquer bairro, qualquer rua e qualquer apartamento. Eu não merecia ter sorte àquela altura do campeonato, mas se antes não exercitava muito minha fé, agora todas as minhas orações estavam direcionadas para eu estar no lugar certo.

Passei por várias ruas mais de uma vez, porque não conhecia nada ali, e todos os lugares em que eu entrava eram escuros e desertos. Dirigi aleatoriamente entre quarteirões, virando para a esquerda e para a direita sem saber ao certo onde ia parar, e após algum tempo - o que pareciam ser horas - cheguei a uma rua um pouco mais larga do que as demais, com pilastras largas e altas segurando os prédios antigos, muito comprida e, ainda que com pouca movimentação, escura. 

Nas calçadas, muitas mulheres se espalhavam ao longo da rua, usando saltos bastante altos e roupas excessivamente curtas e vulgares.

Aquilo era simplesmente horrível. Em todo tempo em que paguei por garotas de programa, fiz questão de frequentar apenas casas noturnas de "porte". Eu nunca havia pego prostitutas de rua, então estar naquela situação estava me fazendo mal.

Primeiro porque eu não estava apenas passando casualmente por ali. Eu estava naquele lugar propositalmente, encarando e analisando cada uma das mulheres pela janela do meu carro. Segundo porque, agora, eu via exatamente o que era aquela realidade, e o quão degradante e humilhante aquilo podia ser. E terceiro, porque era naquela situação repugnante que eu esperava encontrar a mulher que não saía da minha cabeça. 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora