Anne 62

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Me apressei em buscar no fundo da taça um pedaço maior de bombom molhado, mas estava sendo um desafio imenso trazê-lo com a colher para cima. Talvez isso se devesse ao fato de que aquela era uma tarefa que exigia um mínimo de coordenação motora, e se eu já era péssima naquilo normalmente, minha incompetência triplicava quando Bruno estava me encarando tão de perto. 

Um pouco desesperada, soltei a colher e peguei o bombom com o indicador e o polegar, levando até sua boca. Ele me encarou com uma expressão indecifrável, mas antes que a gota de chocolate que se formava ali pudesse cair, Bruno mordeu o doce. 

Quando fiz menção de afastar minha mão, ele segurou meu pulso com força, e ainda me encarando, chupou meus dois dedos, um de cada vez, deixando-os limpos da calda que escorria ali. 

Fiquei encarando feito uma débil mental seus lábios correndo pelos meus dedos. Percebi que estava de boca aberta, então fechei-a abruptamente, desejando com todas as forças que eu parasse de agir de forma constrangedora toda vez que ele fizesse alguma coisa provocante. 

– Uau... - Ele começou, dando uma pausa para engolir - Isso está perfeito. 

– Obrigada. - Sorri, feliz com seu comentário, torcendo para que ele estivesse falando a verdade. 

– Posso comer isso com você algum dia? 

Era uma pergunta boba de se fazer. Por que ele pediria permissão para comer qualquer coisa comigo?

– Claro. Me deixa pegar uma taça pra você, comemos juntos... 

Fiz menção de me levantar, mas ele segurou meu pulso outra vez, me impedindo de sair do lugar. 

– Acho que não fui claro. Vou reformular a frase: Posso comer você com isso algum dia? 

Eu estava fazendo aquela cara de idiota outra vez, eu sabia. Mesmo sem estar na frente de um espelho, sabia também que meu rosto poderia ser facilmente confundido com um tomate maduro, porque minha cabeça estava fervendo de vergonha. Ele estava fazendo aquilo de propósito, eu tinha certeza. 

– Você... Eu acho... Ha... É, eu... - Foi a brilhante frase que consegui pronunciar, enquanto encarava nervosa o doce na travessa à minha frente. Ouvi seu riso abafado enquanto ele ainda me encarava. 

– Você tem sorte por ter um balcão entre nós dois. Toda vez que a sua pele fica dessa cor eu tenho uma vontade quase incontrolável de te abraçar até te asfixiar.

Ele sorria despreocupado. 

Ver Bruno tão à vontade dessa maneira era bom porque fazia com que eu achasse que não havia nada com o que me preocupar. E então, ele era apenas um bobo engraçadinho que adorava me provocar. Sem situações desconfortáveis, sem momentos de um silêncio desagradável.

Éramos só nós dois. Sem problemas. 

– Ainda vou descobrir um jeito de te deixar sem graça também, bonitão. 

– Bom, contanto que você não diga pra minha mãe que eu sou bom de cama... 

Soltei uma risada abafada, me concentrando para fazer meu rosto parar de queimar. Tentei mudar de assunto, na esperança que aquilo acontecesse logo. 

 – Você tem que arrumar suas malas.

– Ah, sim. Por falar nisso, esqueci de te perguntar uma coisa: Você tem passaporte? 

Congelei.

Eu não tinha passaporte. 

Como diabos eu não havia lembrado disso?

Não precisei falar nada, minha expressão já dizia tudo por mim. Então era isso: Por mais uma imbecilidade minha, agora Bruno viajaria sozinho para Londres e eu passaria o Natal ali, longe dele.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora