Anne 75

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Eu estava sentada na borda de um chafariz. Era primavera àquela altura, e eu podia dizer isso principalmente pelo jardim à minha frente, repleto de camélias dos mais variados tipos e cores. Inspirei profundamente para sentir o cheiro de grama fresca. O sol dava ao clima uma temperatura agradavelmente morna, ideal. Me sentia incrivelmente feliz e completa, e sequer sabia o motivo. Não me movi, com medo que aquela sensação me deixasse. Diferentemente das outras ocasiões, eu sabia que estava sonhando. 

Ao longe, vi uma pessoa. Mais precisamente uma criança, uma menina, talvez com seus oito anos de idade. Ela veio correndo até mim, e quando me alcançou constatei que não a conhecia. Mas algo nela chamou instantaneamente minha atenção. Aqueles eram os olhos que eu mais amava. Eram de um dourado tão conhecido, tão perfeito, que não consegui deixar de olhá-los. Eram os mesmíssimos olhos de Bruno. Imediatamente me dei conta de que amava aquela menina mais do que qualquer coisa no mundo. 

– Olá. Qual é o seu nome? - Perguntei, desgrudando uma mecha de cabelos do seu rosto suado e colocando-a atrás de sua orelha. 

– Não tenho nome ainda. - Ela respondeu, e a voz me pareceu tão melodiosa quando um coral de anjos. Estranhei aquela resposta. 

Eu poderia estar sonhando com a filha de Jhulie, ainda não nascida? Isso explicaria os olhos da menina serem os de Bruno, que por sua vez eram iguais aos da irmã. Mas ainda assim, algo nela me atraía. Como um ímã. 

Ela sorriu, e outra vez a lembrança de Bruno veio forte demais. De alguma forma, senti que ela também me amava, mesmo nunca tendo me visto na vida. 

Tudo naquele sonho era estranho.

Fui subitamente acordada por uma dor, uma dor tão real que me perguntei como eu sequer havia conseguido dormir. Depois de um tempo tentando voltar à realidade, completamente perdida, percebi que a dor estava na minha cabeça. Identificar a parte do corpo que doía era um começo.

Demorei alguns minutos para reunir coragem e abrir os olhos. Quando o fiz, até a luz fraca que as cortinas do quarto de Bruno filtravam foi o suficiente para transformar aquele pequeno momento em um inferno. Fechei os olhos rapidamente, tentando engolir, mas minha língua parecia feita de pano. Talvez alguém tivesse me espancado antes que eu caísse no sono, porque todos os músculos do meu corpo estavam um pouco podres.

Girei a cabeça devagar para o lado, apenas para constatar que Bruno, como quase sempre, não estava ali. Conjurando toda a força que restava nos meus músculos, sentei na cama ainda de olhos fechados. Infelizmente, o movimento foi rápido demais e uma tontura desnorteante, acompanhada de um enjoo súbito, me tomou de imediato.

Senti algo querendo sair de mim à força, e me desesperei ao perceber que, mesmo que conseguisse caminhar até o banheiro — o que definitivamente não seria o caso — eu provavelmente vomitaria no carpete antes de chegar a meio caminho. Sem opções, me curvei sobre a cama, colocando a cabeça para fora e simplesmente deixando que um jato nojento saísse da minha boca. Mas, ao final, foi só isso que saiu.

A ânsia vinha a cada cinco segundos, mas meu estômago vazio não tinha nada para expelir. E cada vez que ela vinha, vinha com tanta força que minha cabeça parecia a ponto de explodir, me fazendo implorar silenciosamente por um desmaio. Senti uma mão na minha testa, dando apoio a ela. Não precisei me virar ou abrir os olhos para saber quem era. 

Quando as ânsias de vômito começaram a ficar menos frequentes, fui relaxando e respirando melhor. Abri os olhos devagar e dei de cara com uma bacia, posicionada estrategicamente no chão para que eu não sujasse o carpete. Bruno sabia que aquilo aconteceria, e fui grata a ele por ter sido cauteloso. Levantei o corpo, sentando na cama muito lentamente. Minha cabeça girava, fazendo com que tudo ficasse um pouco embaçado. 

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora