Cheguei em casa perto das 20h. Me dirigi ao chuveiro mecanicamente, enquanto tomava minha decisão, pensando o mínimo possível sobre ela e sobre as consequências que ela traria.
Não sabia quanto tempo o banho havia durado. Não sabia qual shampoo havia usado ou se a água estava quente ou fria. Simplesmente agi sem pensar em nada, e possivelmente poucos minutos depois eu abria minha mala, tirando de lá a primeira peça de roupa vulgar e chamativa à vista.
Um vestido azul curto e justo. Uma peça que eu nunca havia tido coragem de usar.
Perfeito.
Vesti-o rapidamente e, ainda sem pensar, procurei por um par de sapatos altos que completariam o visual "piranha barata".
Sem me olhar no espelho, busquei meu kit de maquiagem, outra coisa raramente usada por mim. Voltei ao banheiro e escovei os cabelos, ainda no piloto automático, sem olhar para meu próprio rosto no espelho.
Acabada a etapa do penteado, escolhi as sombras mais escuras e delineei meus olhos com elas. Quando a produção em ambos os olhos pareciam iguais, escolhi o batom mais escuro e um blush vivo.
Sem saber qual era o cheiro, espirrei a esmo o perfume do frasco dourado pelo corpo, então finalmente prestei atenção ao meu reflexo.
Eu não sabia quem era ela.
Era uma estranha, mas me encarava como se me conhecesse há tanto tempo.
A mulher do espelho não era eu, mas talvez, dentro dos olhos castanhos, um resquício do que eu fui ainda existisse.
Talvez. Mas agora, não havia mais ninguém ali.
Ninguém além de uma puta.
...
Caminhei devagar pela rua, enquanto tentava me lembrar do caminho para onde estava indo. Antigamente eu teria rezado para que ninguém me visse sair do prédio ou que as calçadas estivessem desertas àquela hora, mas hoje eu não me importava.
Não era como se eu fosse ganhar ou perder alguma coisa se as pessoas me vissem daquele jeito, ou se alguém me reconhecesse.
Eu simplesmente não pensava em nada, e enquanto caminhava despreocupada pela calçada, minha cabeça parecia estar estranhamente vazia. Vazia de uma forma que eu nunca havia sentido, como se meu cérebro de repente tivesse parado de querer pensar e agisse de forma automática.
Por um lado, era bom. Não pensar fazia com que eu não me lamentasse e não sofresse. Era um estado um tanto quanto autista, mas era mais fácil. Quando eu pensava, chegava a rápidas e péssimas conclusões, como o grande poço de merda que era a minha vida, e como não havia algo de bom a esperar.
Mas isso só mostrava que meu estado vegetativo agora tomava proporções assustadores, e talvez se continuasse dessa forma, eu poderia desaprender a interagir com as pessoas.
Seria preocupante se eu me importasse.
Mas eu não me importava mais.
Algum tempo depois, só Deus poderia dizer quanto, finalmente cheguei à rua que eu conhecia.
Aquele era o lugar em que eu tinha passado muito tempo trabalhando antes de Rayana me achar e me levar para sua casa.
Nada havia mudado. As calçadas ainda eram sujas, fruto do final de um dia tumultuado e cheio. Aquela via comportava multidões durante o dia, que corriam de um lado para o outro e deixavam ali suas marcas.
As paredes eram escuras, e todas as lojas de pequeno porte agora se encontravam fechadas com portas de ferro.
Abertos, só alguns bordéis baratos e apertados, que piscavam uma irritante luz rosa avermelhado.
Nas portas abertas, podia-se ver alguns casais e nenhum pudor ou classe. A rua não era muito movimentada, mas vez ou outra surgiam clientes que chegavam em seus carros e escolhiam suas acompanhantes, enquanto os que estavam a pé aproveitavam a noite ali mesmo.
Espalhadas pelas calçadas, ao longo de todo o comprimento da rua, podiam ser vistas mulheres dos mais variados tipos. Algumas conversavam entre si, enquanto bebiam e gargalhavam de qualquer coisa.
Outras esperavam sozinhas, fumando um cigarro após o outro. Todas usavam roupas vulgares e apertadas, e algumas até ousavam nas transparências.
Aquele panorama abalou um pouco as estruturas do meu muro de indiferença recém adquirido.
Lembrar daquele lugar era uma coisa, mas vê-lo novamente nas mesmas condições e estar prestes a reviver tudo outra vez era outra coisa.
Algo com o qual talvez eu não conseguisse lidar.
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De repente, amor
Romance♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...