Encostei em uma das paredes com falta de ar, tentando mais que tudo não pensar em nada.
Eu não poderia pensar, porque se o fizesse, não suportaria. Eu seria tomada pela razão e não conseguiria fazer o que estava prestes a fazer. Eu simplesmente sucumbiria, ali mesmo, e só Deus sabe qual seria o resultado disso.
Tentei inspirar e expirar o ar lenta e pausadamente, para oxigenar bem o cérebro e me acalmar. Eu tinha tido uma crise antes, havia um pouco mais de três meses, quando me vi frente à mesma situação. Bom, quase a mesma. A situação em que eu estava no momento era consideravelmente pior.
Procurei na bolsa pequena que carregava algum calmante, mas não havia nada de útil ali. Tentei ignorar as duas mulheres que riam de mim a pouco mais de três metros enquanto caminhava para uma pilastra próxima.
Ao chegar, encostei meu corpo ali e fechei os olhos, numa tentativa desesperada de não entrar em pânico.
Eu podia sentir a vontade de chorar me tomar aos poucos, e eu sabia que se me permitisse derramar a primeira lágrima, as outras seriam impossíveis de segurar.
Assim, a única coisa na qual me concentrava era na força hercúlea que fazia para desmanchar o nó precedente ao choro na garganta, falando comigo mesma coisas do tipo "não seja tão ridícula" ou "é melhor você deixar de frescura antes que seja despejada".
De fato, minha concentração era tanta que quase não reparei no carro que agora se aproximava muito lentamente.
O motorista estava obviamente escolhendo quem ele levaria para "um passeio romântico" aquela noite, e de repente me peguei desejando intimamente que ele não me escolhesse.
Era ridículo, eu sabia disso, já que eu estava lá justamente para isso. Mas se eu fosse lembrar de todos os momentos como esse que existiram na minha vida, poderia constatar que em todos eu havia agido da mesma forma: minha vontade sempre ia contra o meu objetivo.
Eu não queria fazer aquilo, e por mais que tivesse vestido uma máscara de indiferença e frieza aquela noite, bastou ficar frente a frente com os fatos para que eu fugisse do perigo como uma menina de 10 anos.
Mas eu havia esquecido que Deus parecia estar se vingando de mim por algum motivo, então o veículo obviamente parou exatamente onde eu estava, de forma que eu só pude ver o banco do carona pela janela aberta.
Eu não tinha mais nada a perder com aquilo. Era bastante simples, tudo que eu tinha que fazer era a mesma coisa que eu vinha fazendo há tanto tempo.
A coisa que odiava fazer, era verdade, mas aparentemente era a única coisa pela qual eu era "reconhecida".
Quais eram as minhas outras opções?
Eu não tinha outras opções. Mesmo que as tivesse procurado, pareciam simplesmente não existir.
Eu simplesmente tinha que fazer aquilo. Tinha que ser aquilo.
Finalmente, depois de um pouco mais de tempo do que uma mulher na minha posição levaria, engoli em seco e respirei fundo, dando um passo a frente e me apoiando na janela do carro.
Para minha surpresa, o homem dentro dele não me encarava com luxúria e não trazia no rosto a expressão de divertimento e abuso de poder que todos os clientes que por ali passavam costumavam trazer.
Ele me olhava com uma expressão que trazia a mistura de muitas coisas, as quais poucas puderam ser identificadas: Raiva. Tristeza. Confusão.
Foram as poucas reações que eu consegui ver naqueles conhecidos olhos dourados
Humilhante.
Nada no mundo poderia ser mais humilhante que aquele momento. O momento onde eu finalmente reencontrava o homem pelo qual vinha sonhando há meses, pelo qual estava ridiculamente apaixonada.
O homem que havia gritado comigo, dizendo coisas horríveis na frente de tantas outras pessoas.
O homem que transformou minha vida em um inferno tão rápido quanto um piscar de olhos.
O único homem que se destacava dos outros sem nem precisar fazer força para isso, e que agora me fazia sentir pior do que nunca.
Era humilhante.
A vontade irracional que me tomou foi socar qualquer coisa que estivesse a minha frente. Liberar um pouco de toda a raiva e mágoa que estavam estranguladas dentro de mim talvez fosse me fazer bem, mas eu estava muito concentrada naqueles olhos.
Aqueles olhos me prendiam, tinham um poder muito estranho sobre mim. Talvez esse poder fosse afetado pela saudade que eu sentia dele, mas o fato era que eu estava parada feito uma imbecil, olhando-o sem saber o que dizer, enquanto ele me encarava de volta.
Por que eu tinha que encontrá-lo nessas condições? Por que justo hoje? Por que justo agora, merda?
Por que não poderia ter sido há algumas horas atrás?
Há alguns meses atrás...
Mas eu devia mesmo ter feito algo de muito ruim em outra encarnação, e agora pagava pelos meus pecados. Então, é claro que ele me encontraria no momento em que eu estaria desempenhando meu humilhante papel de prostituta de esquina, praticamente transfigurada com toda aquela maquiagem, correndo o risco de uma iminente crise de pânico e choro.
Eu estava agora dividida com vários pedaços de sensações. Uma parte minha queria morrer, porque assim tudo acabaria rápido e eu não teria mais que suportar todo aquele mal estar. Outra parte queria puxar o homem que ainda me encarava e socá-lo com toda a força, em todas as partes alcançáveis, por ter me abandonado quando tinha dito que ficaria ao meu lado. Uma terceira parte queria se jogar nos braços dele e se enrolar como um gato em seu peito até que toda a dor, sofrimento e mágoa fossem simplesmente esquecidos. Uma quarta parte não queria nada, além de continuar ali.
Seria bom se eu dissesse algo.
Seria bom se ele dissesse algo.
Mas ambos permanecemos em nossas posições, feito estátuas, e eu tinha certeza que ele acabaria com um torcicolo e eu com uma dor na coluna provavelmente insuportável.
Então lembrei que ele estava ali por um propósito.
Não era justo com ele, nem comigo, nos forçar àquela situação.
Ele havia me escolhido por algum motivo desconhecido. Talvez não tenha me reconhecido, já que ultimamente eu vinha parecendo muito mais com um zumbi do que outra coisa, além dos meus muitos quilos perdidos e da maquiagem escura que ele nunca me vira usar.
Ele estava lá por um motivo, e ele havia me escolhido.
O motivo não importava, seja ele porque me reconheceu ou porque achava que eu era uma puta qualquer. Mas essa era a verdade incontestável, ele estava lá pra escolher sua companhia da noite.
Respirei fundo tentando controlar a voz, o choro e a vontade de vomitar, antes de quebrar o silêncio. Se era isso que ele queria, era isso que ele teria.
– Cem reais.
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De repente, amor
Romance♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...