Anne 5

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Levantei da cama buscando na gaveta uma camiseta branca e uma calcinha. Vesti as peças de roupa e voltei para o lado dele, ainda um pouco receosa com sua reação quando se desse conta de que estávamos na mesma cama.

Não adianta xingar depois... Eu tentei te avisar.

Tentando afastar minhas inseguranças, deitei no colchão com cuidado e virei de lado com as costas para ele. Eu não queria olhá-lo. Estranhamente, olhá-lo fazia com que eu ficasse feliz. E isso era muito estranho. Vê-lo ali, ao meu lado, como se nada mais importasse, era simples. Era bom. E a cada minuto que passava ficava melhor, porque parecia não haver complicações ou limitações. Ele estava ali e isso era tudo.

A respiração tranquila dele, minha própria respiração hesitante e a chuva do lado de fora eram os únicos sons, os sons que davam a melodia àquele momento de paz. E era tão bom...
Exatamente por ser tão bom, eu não queria encará-lo.

Porque eu sabia que quanto mais eu me amarrasse à presença dele ao meu lado, em um sono tranquilo, mais difícil seria de aceitar a dor em não tê-lo ali mais tarde.
Eu sabia que doeria.

E saber disso me deixou com medo.

Subitamente senti seus braços me envolverem, o corpo dele formando uma concha com o meu.
Fiquei imóvel, em pânico, em êxtase.

– Hmmmm... Você... passou o creme, né?
Putamerda putamerda putamerda.
– Sim...
– Esse cheiro é muito bom. - Ele disse, enfiando o rosto entre meus cabelos e meu pescoço e inspirando profundamente ali. Não respondi, mantendo meus olhos arregalados e tentando fazer com que meu coração não saísse pela boca. Eu não movia um único músculo, com medo de que ele se afastasse.

Depois de alguns minutos fechei os olhos e saboreei o momento:
Os braços dele em volta de mim.
Os dedos dele na minha barriga.
A respiração dele no meu pescoço.
A perna esquerda dele entre as minhas.

Ele.

Eu não queria dormir. Queria aproveitar cada segundo daquele abraço. Aquilo era o máximo de carinho que eu havia recebido em toda a minha vida como prostituta. De tão bom, sequer parecia ser real.

Mas tudo ali me embalava. O clima, os sons, o ar. Os lençóis, a pele dele, o calor da pele dele...
E então, mesmo relutante, não consegui vencer o sono que, mais uma vez, fez com que eu relaxasse e esquecesse de tudo.

Fui arrancada dos meus sonhos pelo toque insistente do meu celular, jogado em algum canto daquele quarto.

Levantei-me assustada quando Bruno resolveu desfazer o abraço de urso que mantinha ao meu redor e fui à procura do objeto escandaloso, tateando entre roupas e móveis, procurando dentro de bolsas, gavetas e mochilas.

Minha visão, ainda turva pelo sono, tornava a tarefa extremamente desafiadora, mas finalmente o celular parou de tocar.

Fiquei um pouco mais calma, começando a procurar direito dessa vez. Achei-o em cima de uma pilha de livros coberta por roupas dobradas, esquecidas no canto mais escuro do quarto. Abri e visualizei uma chamada não atendida de Júlia.

– Mas que diabos?

Por que ela simplesmente não havia batido na porta e me pedido para abri-la, como sempre fazia quando queria falar comigo?

Virei-me ainda com os olhos no telefone só então me lembrei de Bruno, ainda deitado na minha cama, me fitando com uma cara estranha. Se era curiosidade, revolta ou só sono, eu não saberia dizer.

Encarei-o de volta por algum tempo sustentando seu olhar, até que ele cansou daquele jogo e se levantou, rumo ao banheiro.

No meio do caminho pegou do chão sua box preta e bateu a porta atrás de si.
Ele caminhava de um jeito imponente. Eu sempre notei isso, mas sentia que a cada dia que passava aquele homem exalava mais masculinidade e poder do que antes.
Era impressionante como um simples mover de pernas tornava-o imediatamente pomposo e intimidante.

Suspirei e dois segundos depois o celular, ainda na minha mão, me alertou com uma nova mensagem recebida.

Olhei para o visor e apertei "Visualizar", logo me deparando com uma mensagem de Júlia:
Me diga que Bruno não está no seu quarto.

Sorri lendo aquela pequena frase, imaginando Júlia mordendo-se de ansiedade pela minha resposta enquanto todas as outras meninas roíam as unhas de expectativa também.
Era mesmo impressionante como quase nada passava desapercebido naquela casa.
Apertei o botão de "responder", já com minha frase formulada, mas parei logo em seguida. Será que eu devia falar que ele estava aqui.

Talvez ele não quisesse ser notado, e tentasse sair pelo fundos, evitando fofocas que com certeza viriam. Mas então lembrei que se tratava de Bruno, mesmo que se teletransportasse as pessoas saberiam que ele havia estado ali. Fosse pelo perfume natural da sua pele ou pela aura de poder que ele emanava sobre todas as mulheres daquela casa, e provavelmente do universo.
Sim, está. Por favor, sejam discretas.

Terminei de digitar e enviei a mensagem, desligando meu celular logo em seguida. Foi o tempo de escutar, claramente, risinhos excitados no andar de baixo.
Reparei pela primeira vez nas notas de dinheiro jogadas no chão, e imediatamente me lembrei da noite anterior.

Eu estava extremamente grata aos deuses ou ao destino - o que fosse -, pelo fato de Bruno ter ficado comigo o resto da noite anterior. Ele havia sido um cavalheiro me deixando escolher o que fazer ontem. Isso ficou bastante claro, e eu sabia que se quisesse dormir ele não teria objeções.

Mas ele era o único dentre centenas de clientes que realmente se importava um pouco comigo, ou assim parecia. Ele era mais gentil e mais educado do que todos os outros, e eu sabia que aquela noite não teria sido diferente.

Talvez isso tenha sido uma parte do motivo pelo qual tomei a decisão em dar a ele o que ele queria. A outra parte ainda estava obscura para mim, e eu não queria pensar muito no motivo de não ter tido tanta aversão a ele. Não queria pensar porque eu sabia que meus pensamentos tenderiam a ir por caminhos um tanto quando perigosos, possivelmente abalando minha sanidade mental.

Afastando esses pensamentos, recolhi do chão o bolo de notas, alinhando-as na palma da mão, dobrando-as e colocando-as de qualquer jeito sobre o móvel onde se encontravam o resto das notas que um dia pertenceram à carteira dele.
A porta do banheiro foi aberta. Bruno saiu, notando minha presença imediatamente ao seu lado, mas mesmo assim não me encarou.

– Como eu não tinha escova de dentes, usei seu anti-séptico bucal. - Ele falou de repente - Espero que não tenha problema.
– Tudo bem.

Pegou distraído suas calças de cima de uma cadeira tirando a carteira de um dos bolsos. Ele veio na minha direção como se tivesse lembrado de algo com um estalo, desviando de última hora para pegar as notas em cima do móvel atrás de mim e contá-las.
Esperei de braços cruzados que ele acabasse sua matemática. Quando pareceu terminar, não disse nenhuma palavra. Ao invés disso foi de encontro à sua carteira novamente, abrindo-a e tirando de lá um cheque.

– Você tem uma caneta? - Ele perguntou, olhando em volta.
– Por quê?
– O dinheiro não paga suas horas. - Respondeu, correndo para o livro em cima da escrivaninha e tirando uma caneta de dentro dele.
– Você acabou de desmarcar o ponto onde eu tinha parado a minha leitura. - Falei só por falar.
Eu não tinha realmente me importado com aquilo.
– Já ouviu falar em marca-páginas? Vou te arranjar alguns. - Ele respondeu debochado. Bruno manteve sua cabeça baixa preenchendo o cheque e eu me senti estranhamente contrariada com aquela situação. Quando acabou, ele veio novamente até mim e deixou o cheque junto às notas. Em nenhum momento seus olhos cruzaram com os meus.

– Qual é o problema? - Perguntei já meio incomodada.
– Problema nenhum. - Ele respondeu calmamente, terminando de se vestir.
– Por que você não olha pra mim?
Ele parou de abotoar sua camisa e me fitou ao falar outra vez:
– Odeio te ver assim.
– Assim como? Acabando de acordar? Me dê alguns minutos, eu tomo um banho e fico apresentável...
– Não é isso. Você está toda... marcada.

Ah. Isso. Merda.

– Seus hematomas ficam menos evidentes de noite.
– Bem, tudo fica mais claro de dia, né? - Falei debochada.
– Estou vendo. - Ele pontuou meio triste.

De repente, amorOnde histórias criam vida. Descubra agora