Devo ter ficado ali por algum tempo, tentando me concentrar e me manter tanto calma quanto otimista, e não notei quando já não estava mais sozinha na sala.
– Boa noite. - Disse o homem.
– Boa noite. - Respondi, me levantando - Meu nome é Anne.
Notei que ele olhava de forma estranha para mim, então me correu um leve arrepio por toda a extensão da espinha. Seus olhos estavam focados em mim, enquanto um sorriso meio debochado brincava em seus lábios.
– Olá, Anne.
Ele continuava com o sorriso estranho, me encarando como um predador. Eu poderia até dizer que o conhecia de algum lugar. Talvez já o tivesse visto antes, mas onde?
– Sente-se.
Obedeci, sentando-me novamente na cadeira ao meu lado, e o vi arrastar outra cadeira para perto, imitando meu ato logo em seguida. Notei que ele estava de frente para mim, inclinado em minha direção, enquanto me analisava de cima a baixo.
Ele estava perto demais. Desconfortavelmente perto.
– Então, o que você quer aqui? Meu empregado disse que queria falar comigo sobre um emprego.
– É... - Comecei, desviando o olhar dele e encarando agora minhas mãos - Eu não tenho experiência como garçonete, mas posso prometê-lo que vou me esforçar pra fazer tudo certo.
Ele se inclinou mais em minha direção, e no mesmo momento que sua boca foi parar em minha orelha, senti uma de suas mãos em minha coxa esquerda.
– Eu sei bem em que você tem experiência, Anne.
Estaquei em choque, enquanto lutava para assimilar suas palavras.
Ele me conhecia. Ele sabia o que eu era.
– Da última vez que te vi, você não estava assim tão magra, mas ainda lembro de você. Foi uma das melhores noites que eu passei naquela casa, sabia?
Ele tinha sido meu cliente. Eu não lembrava exatamente dele, não sabia seu nome, mas tinha a impressão que o tinha visto em algum lugar.
E onde mais haveria de ser?
– Eu... - Comecei, mas não sabia ao certo o que falar. Eu queria que ele saísse de perto de mim, queria que ele parasse de falar coisas ao pé do meu ouvido enquanto ia subindo sem cerimônias suas mãos pelas minhas pernas, mas não conseguia me mexer. Eu estava em pânico, e por mais que eu quisesse, tomar uma atitude era impossível.
– Eu não... Eu só queria...
– Sabe o que eu acho? Acho um desperdício. Você é tão boa no que faz...
Por que ele tinha que lembrar de mim? Por que ele tinha que me conhecer?
– Não pode jogar fora um talento tão bom assim, querida. Onde já se viu, uma menina tão habilidosa deixar isso de lado?
– Eu não faço... mais... Vai me dar o emprego?
Senti o riso debochado dele no meu pescoço, e estremeci.
– Não posso permitir que uma puta trabalhe na minha lanchonete, paixão. Tente entender. Mas se você quiser oferecer outros serviços..
Dizendo isso, ele segurou rudemente minha mão e, com força, a apertou contra sua ereção.
Aquilo foi o gatilho para que meu sistema nervoso fizesse alguma coisa e me permitisse ter alguma reação. Levantei-me extremamente rápido, o que fez com que eu derrubasse a cadeira na qual estava sentada. Ele continuou me olhando com um sorriso debochado no rosto, enquanto me olhava outra vez de cima a baixo.
Antes que eu pudesse me dar conta, saí correndo da sala, esbarrando com o homem que havia me atendido antes. Ele notou meu estado de nervos, mas obviamente não entendeu o que estava acontecendo.
– Sinto muito, espero que você consiga o emprego em outr...
Eu já estava na porta que dava para a rua, e não parei um segundo sequer para olhar para trás, enquanto desviava de alguns transeuntes despreocupados. Subitamente senti meu rosto mais frio, então percebi que ele estava molhado. Eu não notei quando as lágrimas haviam começado a descer, mas não importava.
– Merda! Merda de azar! Por que nada dá certo na porra da minha vida? - Falei para mim mesma, ainda caminhando rápido, sem um destino certo.
Algumas pessoas me olhavam como se eu fosse algum animal de circo, e a vontade que eu tinha era mandar todos irem à merda.
Estigma. Desgraça.
Meu passado seria sempre uma desgraça na minha vida, e eu teria sempre que fugir dele, me esgueirando entre um canto e outro para que ele não me seguisse onde quer que eu fosse.
A dúvida era se eu poderia fugir dele para sempre, se poderia contar sempre com a sorte, ou se teria que aceitar que coisas como as que acabaram de acontecer poderiam acontecer outra vez.
Eu não conseguia conter as lágrimas que teimavam em cair, mas não era como se eu realmente estivesse tentando. Eu simplesmente não me importava mais com nada, porque nada tinha mesmo importância nenhuma.
Depois de muito tempo e provavelmente uma longa caminhada, olhei em volta e notei que não sabia onde estava.
Tudo bem, isso era só mais uma das coisas ruins que sempre me aconteciam, e eu já estava me acostumando com aquela maldita falta de sorte.
Sentei em um banco e tentei me acalmar, porque eu não conseguiria encontrar o caminho de volta se não estivesse raciocinando direito. Infelizmente, a tentativa de foco só fez com que uma raiva intensa se apoderasse de mim, e junto a ela, uma indignação maior que a que eu vinha sentindo durante todo esse tempo.
Eu estava irada, inconformada, desesperançosa e miseravelmente infeliz.
Estava acabada, estava cansada de tentar ser outra pessoa. Cansada de falhar, de tentar e nunca conseguir nada. Cansada de não ter uma chance, cansada de ser humilhada e diminuída.
Mas no final das contas, era só isso que eu era.
Uma puta.
E uma puta não poderia ser outra coisa além de puta. Eu deveria saber disso.
Fiquei de pé. Sequei as lágrimas e decidi que não importava mais. Eu seria o que tinha que ser, porque se era só para isso que eu servia, se era só isso que eu conseguia fazer, então seria desse jeito.
Eu sabia que agora adotava uma expressão dura e vazia, e se minha expressão espelhasse o vazio que sentia, eu deveria estar assustadoramente neutra e sem vida.
Mas não importava. Nada importava.
Precisei de algum tempo para me localizar.
Peguei o ônibus errado, o que me deixou longe de casa, mas não reclamei.
A partir de agora, eu não aceitaria ou deixaria de aceitar o que quer que acontecesse comigo. As coisas simplesmente aconteceriam, e eu só estaria ciente delas.
Eu entraria no piloto automático. Aquele que não me permitia ter emoções ou pensar nelas.
Seria irreversível.
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De repente, amor
Romansa♦ De repente, amor. Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como...