C A P Í T U L O 107

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CHRISTIAN ANDERSON

     Quando me deito outra vez no colchão, meu sangue está fumegando de raiva. Não me surpreenderia caso saísse fumaça dos meus ouvidos, que nem com os trens antigos que funcionavam a vapor, e igual ao Harry Potter, numa cena de Prisoneiro de Azkaban.

     Minha mãe conseguiu o incrível feito de estregar nossa noite pela segunda vez num intervalo de uma hora – eu acho –; como uma mulher consegue ser desagradável nesse nível? Eu amo minha mãe, ela faz e fez muita coisa por mim e minha irmã, mas ela está se tornando cada vez mais um estresse diário na minha vida. Cada dia mais exigente, mais fria, mais distante e mais uma estranha, do que nossa mãe de verdade.

     Nem sempre foi assim. Antes de sairmos de Seattle, meus pais não viajavam tanto, eles estavam sempre em casa pra jantar com a gente e colocar a gente para dormir. É claro que eles sempre foram exigentes e muito duros com a gente, nunca foram do tipo amorosos e sorridentes, que dizem que conseguimos tudo aquilo desejamos se formos boas pessoas. Não, meus pais já me fizeram chorar muitas vezes por dizerem que sou um inútil, quando não fazia algo certo ou por não conseguir. Mas ainda amavam a gente, hoje em dia tenho... dúvidas.

     Sam deita na cama comigo, o corpo virado de lado na minha direção, bem encostada em mim. Eu não me movo, continuo deitado de barriga para cima, suspirando.

     — Quer conversar? — Sam sussurra, e depois segura minha mão.
     — Acha que os pais são capazes de deixar de amar os filhos? — Pergunto logo de cara, piscando lentamente.

     Mas Sam não responde de cara. Ela leva alguns segundos silenciosos para pensar, enquanto isso, sinto seus dedos finos e delicados acariciando os meus. As pessoas dizem que não devemos depender de outras pessoas emocionalmente, porque isso pode estragar sua mente mais do que já está. Mas eu gosto de como a Sam me tira do fundo do poço; ela é a âncora para minha ansiedade. Só basta um simples e suave toque de suas mãos, para que eu consiga respirar e me lembrar de como se respira. Eu não entendo como isso funciona, se é dependência ou não, só entendo que isso é o carregador da minha bateria emocional.

     — Não. — Sam volta a sussurrar, parecendo ter chegado ao seu veredito final. — Não, eu não acho. Acho que você ama seu filho desde o primeiro instante, ou então não ama nunca. Não é possível passar a desamar uma pessoa que é uma parte sua, e que perpetua seus genes e DNA.
  
     Enlaço de vez meus dedos nos dela, apertando sua mão pequena para que não solte. Sam aproveita para aconchegar o corpo no meu, deitando a perna um pouco em cima da minha, com a cabeça recostada no meu ombro.

     — Então como é possível uma mulher menosprezar a própria filha de repente, só por ela não ser hétero. — Sussurro incrédulo. É ainda pior quando digo em voz alta.
     — Pra ser sincera, eu não sei. — Sam suspira — Seus pais sempre foram muito conservadores, então... Olha, isso é mais comum do que imagina.
     — É isso o que assusta.

     Consigo me ver a noite inteira acordado, porque não consegui dormir, apenas preocupado com minha irmã. Porra, eu odeio ter que ser tão bunda mole, o tipo de pessoa que quebra a cara um milhão de vezes só para ajudar alguém. Às vezes eu acho que seria tão mais fácil se eu fosse aquele adolescente escroto de quem todos escutam histórias completamente falsas pela escola. Facilitaria muito.

     — Ei...ei... — Sam usa o cotovelo para erguer o corpo, fios de cabelo caindo pela lateral de seu rosto quando olha para mim. — Tá tudo bem. Entendo que esteja nervoso com seus pais e preocupado com sua irmã, mas tá tudo bem. Depois da tempestade vem sempre o arco-íris.
     — É? Sabe o que mais vem depois da tempestade? Desgraça. Pessoas sem abrigos. Ruas alagadas. Des-gra-ça.

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