Males que vêm por bem // Prólogo.

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Julguei que estivesse em casa sozinha, os meus pais tinham tirado o fim de semana só pra eles, tinham ido fazer uma pequena viagem. Naquela noite pensei que MZ fosse passá-la com a Carol, uma vez que não o sentia em casa.

Eu poderia desabar a vontade, não precisava usar a máscara de pessoa mais feliz do mundo se estava só.
Tomei banho e deixei umas lágrimas escaparem quando me olhei no espelho. Não iria usar maquiagem para cobrir aquela pisadura no meu olho. Aliás, nem sequer havia maquiagem que cobrisse a vergonha que eu estava sentindo.
Era meia noite e trinta e dois e eu ainda não conseguia dormir. Decidi ir à cozinha beber um copo de água.
No caminho eu gelei. Eu não acreditava no que eu estava a ver.
MZ estava em casa e estava vindo na minha direção.

Eu tinha a cara inchada de estar a chorar por horas, tinha uma pisadura no meu olho. Que desculpa poderia usar? Baixei a cara e fingi estar a olhar pro meu pijama.
Ele para na minha frente. Pela forma como agiu, sem dizer uma única palavra, eu entendi que ele estava à espera da resposta à pergunta que ainda nem havia feito. E nem precisava de fazer para eu saber qual era. Quem me dera que ele nem fizesse.

- Não me vai dar uma resposta, Suzy?
- Sobre o quê? - esboço um sorriso falso e tento andar em frente, sempre olhando pra baixo. Ele me impede de dar um único passo em frente e ergue meu queixo.
- Não se finja de boba, fala! - ele disse com firmeza, porém eu notava que era só preocupação.

Mozart sabia que eu estava namorando aquele menino, Arthur, tinha me aberto com ele um dia, mesmo sabendo que corria o risco de ele me tentar proibir de namorar mesmo. Ele e o nosso pai exageram na proteção que têm comigo.
Logicamente, ele desconfiou.

- Tá falando da pisadura? Ahahah garoto! Cê não escutou eu cair? Caí nas escadas e bati com a cara mesmo! - dou uma risada falsa - Eu sou um desastre!
- Obviamente, Suzanna, se caísse das escadas, o único lugar em que se magoaria a sério seria no seu olho. - ele é irónico, a sua cara transmitia-me impaciência, eu sabia que ele estava desconfiado.
- Pronto, eu vou admitir, mas promete que não conta pro pai! - peço e ele só me encara - Eu saí na porrada com uma mina no outro dia, acabei assim - rio - Ela acabou pior eu garan...
- Foi ele, não foi? - encaro-o assustada ao ouvir isto.
- N-na...
- Fala a verdade, porra! - eleva a voz.
- Mozart cê acha que ele seria capaz? Pelo amor de Deus MZ! Ele trata-me como uma rainha! - finjo estar ofendida.
- Você tem noção do quanto tem mudado? Suzanna, faz tempo que você não sai com a Letícia e com a Carol, elas já falaram disso até. Os rapazes todos falam disso. Cê acha que a gente é bobo? Fala a verdade garota! Porra!
- Eu só não saio porque não há motivos pra isso Mozart! Continuo a mesma pessoa, se me chamarem eu saio - tento parecer firme, mas o nó na garganta já se tinha formado e a faz falhou.
- Ultimamente, já fomos a três festas e você faltou às três! Eu mesmo te chamei, aliás, todos insistiram e você não veio!
- Não me apetecia.
- Num fode mano! - ele faz com que eu olhe nos seus olhos e os meus se enchem de lágrimas. Eu devia ter disfarçado melhor - Você sempre confiou tanto em mim, porque não confia mais?
- Eu confio! - falo baixo, desviando o olhar.
- Foi ele? - olho pro Mz e não falo nada - Foi ele. Foi ele porra! - ele fala alto e eu noto a raiva na sua voz - Eu vou matar esse covarde na porrada! - fala tentando andar pra frente e eu o agarro desesperada.
- Mozart não!!! Por favor não faz nada!
- Cê tá zoando caralho? Olha o que ele fez contigo! Nem o pai levantou a mão pra você e vem ele fazer isso?
- Fui eu que provoquei Mozart! Eu que bati nele primeiro!
- Vai se foder Suzanna, na real! Há um tempo atrás você seria capaz de fazer isso se precisasse, agora não! Agora você apanha e consente?
- Eu mereci! Mano, eu fui filha da puta com ele!
- Você endoidou garota! Se liga mano, como o pai vai reagir quando descobrir?
- MOZART NÃO!! - eu grito ainda mais desesperada - Ele não pode saber, Mozart por favor ele não pode nem sonhar com isso!
- Então deixa que eu termino com isso hoje mesmo - dá de costas e eu faço tudo o que posso para o virar. Já só consigo chorar nesse momento de tanto desespero que sinto e ele, sentindo isso na minha voz, vira-se pra mim.
- Eu imploro mano, eu imploro, não fala nada pra ninguém, não faça nada! Mozart não faça nada - continuo repetindo a última frase e ele me abraça forte. O seu coração bate rápido, tão rápido como se ele tivesse terminado de fazer um show e a sua respiração está tão acelerada como se ele tivesse acabado de correr por todo o RJ.
- Relaxa pequena - fala acariciando o meu cabelo - Está tudo bem.
- Mozart eu imploro! - digo molhando o peito dele com as minhas lágrimas.
- Fica calma agora.

Momentos depois eu começo a me afastar dele, que ergue o meu queixo. Olhamos um pro outro e ele limpa as minhas lágrimas.

- Entra aqui - aponta pra porta do seu quarto, era o mais perto - Vamos conversar com calma.

Entra e eu sigo-o, sentando do seu lado na cama.

- Porque você não falou isso mais cedo?
- Ninguém pode saber, todos iriam reagir como você reagiu, e eu não quero.
- Você viu o que ele fez com você?
- Eu vejo isso todos os dias.
- E eu sinto isso todos os dias. Você não é mais a mesma, Sú, porque mudou?
- Mozart, eu amo ele!
- E eu amo você mais do que você o ama, por isso que não vou permitir que você se exponha a isso de novo - eu noto tristeza na sua voz. Porque é que eu só magoo quem eu mais amo? - Que mais ele fez contigo?

Ali eu soube que tinha que falar pro meu irmão o que vinha a acontecer no último ano e cinco meses que a gente estava junto.
Falei desde as proibições das roupas que eu antes usava e parei de usar porque elas me faziam "parecer uma puta", da maquiagem que parei de usar porque "quando já se tem uma cara feia, a maquiagem não vai ajudar a melhorar", das saídas que eu perdi porque meu namorado "precisava mais de mim do que todos os outros", quando ele mesmo estava saíndo e não me estava falando sequer.
Falei de como eu parava de comer porque ele me achava mais gorda, das provas que perdi em segredo porque meu amor estava carente e eu tinha que lhe dedicar todo o meu tempo.
Falei que não tinha sido a primeira vez que ele me bateu, contudo, sem dúvida, foi a mais grave. Antes os hematomas ficavam escondidos no meu corpo, dessa vez ficou visível na cara para que eu me lembrasse da merda que eu era quando me olhava no espelho.
Falei até das traições dele, mas a culpa era minha se eu não sabia ser mulher o suficiente.
Ainda assim, o pior eu não contei. Sabia que se Mozart soubesse disso, de certeza seria preso por cometer homicídio, sem exageros.
Também não falei que me viciei em drogas por causa dele, Mozart só sabia que eu fumava maconha "bem raramente", e mesmo assim, ele não gostava de saber disso.
Ainda que ocultando o pior da relação, ele surtou.

Mozart andava de um lado pro outro no quarto enquanto eu falava. Estava tão irritado e eu tinha medo da reação que ele poderia ter.
- Posso fazer uma pergunta pra você? - eu tremi ao ouvi-lo com medo da pergunta.
- P-pode ... - respirei de alívio quando ele começou a falar.
- Onde está a minha Sú? Porque deixou ela em Portugal? Onde está a Sú que um dia até deixou a sua mão marcada na cara de um menino na escola por três dias porque ele apalpou a sua bunda? A Sú que ia contra todos se fosse preciso para se afirmar e mostrar a sua força? Onde está a minha Suzanna? Porque você permitiu que ele a roubasse de mim, de si mesma?
- Mozart ...
- Porque você permitiu? - o seu olhar estava repleto de tristeza.
- Eu amo ele demais.
- Mas ele não te ama. Se ele te amasse, jamais te tentaria mudar. Ele mudou - se abaixa pra ficar ao meu nível e olha nos meus olhos - E o seu amor próprio?
- Aquele que nunca existiu?
- E a sua felicidade contagiante? Aquele seu sorriso belo onde até os olhos sorriam e era inevitável não sorrir olhando pra ele?
- Faz tempo que não os vejo. - fazia um ano que já não os via.
- E eu tenho saudades deles, da minha pequena. Volte pra nós, por favor - fala segurando as minhas mãos para que eu ficasse calma - Porque não termina com isso?
- MZ eu não consigo! - falo desesperada
- Coé? Não consegue porquê?
- Eu tenho medo da reação dele. Mozart, ele vai reagir muito mal. Eu tenho medo!
- Caralho! - ele se levanta e eleva a voz - O que esse filho da puta fez com você mano?
- Mozart ...
- Sú, eu mesmo falarei com ele.
- Não! - eu grito e me levanto - Ele não pode saber que alguém sabe. eu mesma falarei!
- Falará quando? Quando estiver em uma cama de hospital pela surra que ele te deu? Quando você já tiver afastado todos de você?
- N-na...
- Sim! Sim Suzanna, sim! Termine agora, na minha frente.
- Não dá, eu não quero ver ele. Não posso terminar por mensagem. Eu estou num caminho sem saída - digo ao permitir que as lágrimas rolem pelo meu rosto.
- Você tem saída, sempre há saída. - me abraça forte - Eu vou-te ajudar meu bem, você não tem que estar sozinha.

De facto, eu jamais fiquei sozinha após aquele momento. Eu me abri com a minha família pelo conselho do Mozart.  Ele segurou a minha mão quando eu contei isso pros meus pais, ele foi a minha força. Graças a ele eu consegui terminar com a relação mais abusiva em que estive. Graças à minha família e aos meus amigos eu consegui.

Como pude eu deixar estes anjos que a vida me deu só porque um filho da puta me roubou a personalidade?

𝚟𝚘𝚊𝚗𝚍𝚘┊ 𝐜𝐡𝐫𝐢𝐬 𝐦𝐜Onde histórias criam vida. Descubra agora