Capítulo Quatro

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Não é pra branquear valor?me perguntou Lucas, um pouco confuso.

Mastigando um dos camarões, eu neguei com a cabeça.

Eu até cheguei a pensar que você quisesse que eu já desse uma olhada nas contas, mas como tá no fim do ano, fiquei em dúvida ele comentou.

Por anos, eu sempre olhei aquela região de São Paulo com maus olhos. Qualquer coisa que me arremetesse ao estilo de vida dos boyzinhos me irritava profundamente, mas acabei por gostar daquele barzinho em especifico. Porra, os caras faziam uma cerveja própria do caralho e os petiscos... nem tinha palavras para descrevê-los.

Lucas tinha crescido como um filho-da-puta de classe média que faz de tudo para parecer mais rico e mais engajado financeiramente do que era, o que me fez pensar que ele também gostaria de ir ali. De fato, ele pareceu gostar.

Já veio aqui antes? perguntei, tentando aliviar a situação.

Quando eu fazia faculdade lá na Cruzeiro do Sul, eu costumava ir num outro barzinho ali perto da Brigadeiro Luiz Antônio, sabe? Com uns colegas... mas nesse aqui, eu nunca vim.

Eu conheci aqui no tempo em que eu fazia faculdade menti, pois sabia que ele queria desesperadamente entrar naquele assunto de faculdade. Afinal, parecia ser o único assunto que ele tinha.

Lucas tinha um estranho fascínio por mim, no que dizia respeito a minha vida. Ele era um daqueles mongos que precisava, desesperadamente, mostrar aos outros que era mais homem do que realmente era. E, para ele, nada chegaria mais perto disso do que ter um amigo bandido no qual ele pudesse se apoiar e de uma forma bem cachorra, se espelhar também.

Sério? E qual foi a faculdade que você fez mesmo?

FGV. Ali perto do Hospital Nove de Julho.

Cara, eu queria também fazer FGV, sabe. Mas tava tão caro na época.

Pra ser bem sincero, eu só tinha feito dois semestres de administração de empresas e mesmo esse curto período me permitiu conhecer o Ademir. Na época, meus pais se realizaram, como se tivessem, por fim, alcançado toda a meta de vida que um ser humano poderia ter, mesmo com meu irmão já cursando faculdade a um ano e pouco. Afinal de contas, era eu a ovelha negra da família e, até então, ter eu buscando limpar minhas manchas de sujeira voluntariamente, parecia ser a maior vitória que eles poderiam esperar para suas vidas.

A verdade, no entanto, era bem diferente.

Eu não tinha ido para lá afim de limpar minhas manchas...

Eu tinha ido era para poder escondê-las melhor.

Mas esse era um detalhe que Lucas não tinha a mínima necessidade de saber.

... mas só de pensar o tanto de dinheiro que eu gastei, cara. E com o salário que eu ganho hoje, até bate um arrependimento, sabe Lucas dizia, envolvido demais com a própria conversa para notar minha ausência. Às vezes, eu penso que seria melhor nem ter feito faculdade...

Acendi um cigarro, olhando de esguelha o gerente do bar que me olhava um pouco tenso.

Fazia um ano que a porra do governo tinha aprovado a lei que proibia fumar em locais fechados. A área em que estávamos não era completamente fechada, mas ainda assim parecia se enquadrar num desses locais proibidos. Eu não tinha me acostumado com aquilo e, segundo parecia, muitas outras pessoas também não. Na mesa da frente, duas mulheres também fumavam, dando risada, sem se importar com o olhar tenso do gerente.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora