Capítulo Cento e Quarenta e Cinco

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Tá ligado quando tem dois cachorros se encarando, os dentes arreganhados, o rabo esticado feito couro; a uma respirada mais forte da bagaceira?

'Cê é louco...

Eu tava me preparando para o pior.

E poderia tirar vantagem daquilo?

Poderia se não fosse o Tatu envolvido.

Porra, se aquela treta tivesse se iniciado com outro qualquer, eu teria botado gás até explodir. Se começasse um tiroteio naquela merda, eu faria meu corre pro Café não sair vivo dali e se o Ticão e companhia se irritassem com o resultado, enfim... eles sabiam bem o parceiro que tinham. E embora eu soubesse que com a eventual morte do Café, os ânimos não se apaziguariam e o Ticão e os demais teriam que continuar firmes na ideia de ir contra o Kalil — já que, relembrando tudo o que tinha acontecido durante o Salve, quando uma treta daquelas se iniciava no Comando, não tinha essa de voltar atrás quando se escolhia um lado —, eu só podia dizer que, sem a cabeça, a cobra não costumava durar muito.

E, do nada, o Café estendeu a cabeça pra trás, fez um bico e falou calmamente:

— Não precisa dar o recado duas vezes não, irmão. Uma é o suficiente pra mim.

E ele simplesmente se virou e voltou na direção dos caras que tavam mantendo os três moleques no chão.

— Leva eles pro carro lá... vamo' resolver essa porra em outro lugar — Café falou pra um dos malucos que tavam na contenção.

— Como assim levar pra outro lugar? — Tatu se adiantou, confuso.

— Você não falou que a quebrada é sua? — Café abriu os braços, sorrindo. — Vou desrespeitar tua neutralidade não, meu peixe. Só que o meu b.o., eu resolvo.

— Não! Você não vai tirar esses moleque daqui não, Café — Tatu tentou chegar até os moleques, mas o Café barrou o caminho.

— E quem vai me impedir? Você? Pode tentar.

— E aí, Café... sacanagem, irmão. Não é assim que se resolve as coisas não — falei.

— Eu não vou discutir sobre isso — ele me respondeu, mas sem tirar os olhos do Tatu. — Pode levar, pô. A gente tá saindo fora. E se quiser me impedir, Tatu, tua chance é agora.

Café estava com três caras e só um deles se mexeu pra arrastar os moleques pro outro lado do galpão, onde ele provavelmente tinha deixado o tal carro estacionado.

Durante todo o momento, Tatu e ele ficaram se encarando e ainda que, de onde eu estava, não consegui ver direito a expressão do Tatu, eu sentia que tava fraquejando.

Ele falou que ia com tudo pra cima do Café se necessário... mas o que seria esse tudo? Lamentei comigo.

E aí eu me enganei...

Porque num lampejo, o Tatu foi levando a mão à cintura e vi ele puxando o cano pra fora e eu corri, irmão. Nem pensei, só corri.

Deus é pai que eu consegui segurar o braço do Tatu a tempo, já falando no ouvido dele:

— Não, não, não, não, não... vem comigo, vem comigo.

Num relance, eu vi que o Café também tava sacando sua peça, mas desistiu quando eu intervi.

Arrastei o Tatu pra trás.

— Me larga, Alemão! — ele berrou, tentando se desvencilhar de mim.

— Me escuta, caralho! — grunhi, entre dentes, segurando a cara dele com as duas mãos, pra que tudo que ele pudesse ver no momento fosse apenas eu. — Me escuta! Sua família, porra! 'Cê tem seis filhos pra criar, caralho. Seis filhos! Teu mais novo só tem cinco anos, mano. Se acontecer uma merda agora, o moleque nem vai conseguir se lembrar de você, porra! Pensa nisso.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora