— Débito ou crédito? — a balconista da conveniência me perguntou.
— Crédito — entreguei o cartão pra ela. Porém, no último momento, a frente do caixa com todas aquelas balas e doces finalmente captou a minha atenção e eu falei: — não, peraí, moça. Não fecha ainda não. Eu vou pegar mais umas coisas aqui.
O Raul não tinha me dado muitos detalhes do que tinha acontecido, mas com a cabeça cheia como eu tava era bem provável que eu não fosse lembrar depois e como eu me lembrei agora, decidi aproveitar a ocasião.
O moleque simplesmente chapava com aquelas besteiras. Doce nunca foi algo que chamou muito a minha atenção depois que eu fui crescendo e me causava uma sensação boa ver que ele ainda era bem apegado a tudo aquilo. Eu não tava querendo dizer, exatamente, que só criança podia gostar disso, até porque eu comia besteira na rua que só a porra, só que dessas besteiras, eu gostava mais de coisas salgadas mesmo. Uma vez ou outra, eu tava mascando um chiclete aqui e ali, mas era mais por conta do cigarro mesmo.
E por falar em chiclete, peguei uma caixinha pra mim e o restante, fui pegando os chocolates que eu sabia que ele mais gostava — foi um alívio da porra distrair minha cabeça, nem que fosse por míseros segundos, de toda a merda que me orbitava naquele momento, me ocupando em decidir qual dos chocolates que eu tava vendo ali que eu não me lembrava de já tê-lo visto comendo antes, mas que ele poderia gostar. Eu achava daora a ideia de sempre levar pra ele um bagulho que ele ainda não tivesse provado antes, por mais besta que isso soasse.
Foi quando minha paz foi assassinada pelo cuzão do Raul que voltou a me ligar de novo. Até pensei em não atender, mas o cara tava sempre fortalecendo, nunca me deixando na mão, não importasse a situação. Nunca que eu deixaria de fazer por menos.
Nem atendi o bagulho direito, ele já foi me atropelando:
— Alemão? Cara, eu já tô... tô chegando já, daqui há uns dois minutos, menos, fi. Um minuto, eu tô aí. Você já chegou? Que eu sei que é mais perto da sua casa.
— Não, irmão... — falei, pegando mais um dos chocolates e botando no balcão. — Eu parei numa conveniência aqui pra comprar uns bagulho pra mim.
— O que?! — ele berrou. — Porra, Alemão, eu não tava de brincadeira. O que aconteceu... cara, não dá pra ficar falando disso no telefone que, que, que... você sabe, mano. Mas o que eu falei é sério, eu tava ouvindo os barulho pela ligação. Você tem que ir pra lá, cara. Pelo amor de Deus!
— Calma aí, tiozão — não entendi nada daquela loucura toda. Eu até conseguia ouvir o vacilão cantando pneu pelo telefone. — Pra quê essa emoção toda? Você nem me explicou direito.
— Eu tô falando sério, caralho! O bagulho fodeu tudo. Tudo, porra. TUDO! Pelo amor de Deus, sai daí e vai pra lá, eu... eu tentei ligar pro... cara, eu só consegui... cara, vai pra lá. Você, você... Alemão, você tá com a peça aí?
Gelei na hora.
— Alemão? Tá me ouvindo, caralho? Porra, mano... eu não acredito que essa merda vai cair logo numa hora dessas.
— Tô te ouvindo, porra. Tô aqui ainda.
— Então, cara, você tá com o... peraí, tô virando na rua aqui, cheguei, cheguei... então, porra, você tá com a peça aí?
— Tenho uma no carro — contei, me sentindo meio oco.
— Cara, chega na contenção. Para o carro um pouco mais pra cima, nas ruas em paralelo e vai chegando na moralzinha, mas na contenção. Eu só tenho você agora, Alemão. Só você, irmão. Cheguei, cheguei; vou desligar aqui. Vem logo, porra.
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Declínio
Mystery / Thriller"Eu queria devorar esse moleque. Me sentia plenamente capaz de passar a noite inteira traçando ele, até meu pau esfolar. Meu peito tava agoniado. Em parte, eu queria respeitar ele, cuidar do moleque porque ele merecia demais essa atenção. E, em par...