Capítulo Cento e Trinta e Quatro

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Minha única chance para a felicidade

Bee Gees – More than a Woman (SG Lewis Remix)


Café tava mais inteligente — ou com gente mais ligeira por perto — que o normal, porque ele não me arrastou pra casa dele e da Milla lá na quebrada, mas sim pra uma casa que eu nunca tinha visto lá perto da Aricanduva.

E fez uma volta do caralho pra me passar o endereço, pedindo pra um moleque me conduzir pelo caminho de moto.

Era um sobrado bonito, com parte da fachada em pedra e um portão de garagem preto que não permitia que se visse nada do que acontecia lá dentro. Apesar dos conselhos do moleque que me levou até lá, decidi parar o carro na rua mesmo e fui encontrar o desgraçado no quintal dos fundos, transtornado, gritando com ninguém menos que o Josué que estava sentado num banquinho, ouvindo tudo calado. Parecia cansado, o arrombado.

— Que porra de lugar é esse aqui? — foi a primeira coisa que eu perguntei, olhando as janelas escancaradas do segundo andar. No quintal dos fundos, havia um acesso à cozinha por meio de uma vidraça enorme que ia do chão ao teto, similar a minha própria casa.

— Ah, e aí, Alemão... — de repente, o Café pareceu mais calmo. "Mais calmo" o caralho, ele tava era se forçando a parecer.

— E essa exaltação toda aí, irmão? — questionei, botando as mãos na cintura. — Deve ter acontecido um show do caralho, hein? Melhor do que o planejado, porque pra você ter me arrastado pra cá com esse filho-da-puta aqui, consigo nem imaginar o que de tão grande pode ter acontecido.

— Na boa, Alemão, agora não é a hora pra esse tipo de picuinha não, firmão?

— Na boa é o caralho, meu truta! — exclamei. — Quero saber da porra dos teus problema não, entendeu? O certo é o certo, jão. Se você tem problema, eu também tenho, e não é por isso que eu fico te sujeitando a uma palhaçada que nem essa aqui, entendeu? Se você tinha alguma coisa pra resolver com esse vacilão do caralho, quero mais é que vocês dois vão tomar no cu; resolvesse primeiro e depois me chamasse pra cá, seu cuzão do caralho.

Café esfregou a cara como se quisesse arrancar a própria pele fora e ainda suspirou com tanta força que eu não me surpreenderia se vomitasse o pulmão junto.

— É, Alemão... você adivinhou, ponto pra você. Eu tô com um problema nessa porra mesmo — ele entoou. 'Cê tá maluco, até os olhos do bichão tavam vidrados. — Só que não sou só eu, certo? Você também tá junto nessa merda.

— Que porra foi que aconteceu?

— Não viu a tv não? — Josué perguntou.

— Hoje? Não, caralho. Não parei pra ver tv não. Fala logo, porra. Que foi que aconteceu?

— Uma desgraça, irmão. Foi isso o que aconteceu: uma desgraça! Algum filho-da-puta tá querendo me foder nessa merda e entregou o esquema todo ou foi lá de cara mesmo e desgraçou tudo, mas pode ter certeza que eu vou descobrir como é que essa porra aconteceu.

— Tenho bola de cristal não, jão. Conta essa porra direito.

— Mataram os caras, Alemão. Pegaram eles dois, arrastaram eles lá pra perto da Dutra e tacaram fogo no caminhão com o Julinho e o Dodó dentro. Tive nem como pegar o bagulho pra entender o que aconteceu, porque quando a gente foi chegar lá, já tinha polícia, helicóptero da tv e os caralho. Só pudemos assistir de longe.

Dei risada, uma meia volta ao meu próprio redor.

— Queimaram meu caminhão... — entoei, me lembrando dos últimos momentos lá, enquanto eu tava indo embora e fiquei vendo o fogo aumentar cada vez mais pelo retrovisor do carro. — Bom, pelo menos, posso ficar de boa porque, ao contrário de você, o meu trampo eu fiz direito e não tem como me ligar ao caminhão.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora