Capítulo Setenta e Um

1.8K 150 93
                                    

Eu não me lembrava bem, mas estava certo de já se fazer alguns bons anos desde a última vez em que eu botei meus pés na Casa da zona sul, tanto que eu me senti como se fosse a primeira vez por ali, o que, talvez, não significasse muito já que, cria da zona leste, sempre me senti meio deslocado por aqueles lados.

Não sei explicar bem, mas a proximidade com a represa e a mata fechada me transmitiam a sensação de estar em outra cidade. O bom disso, para o Comando, é que muito podia se fazer por ali sem atrair os zé povinho pra perto.

Assim que desci do Golf, já pude ouvir o falatório e as risadas vindas lá de dentro através dos muros camuflados pelas trepadeiras.

No portão, estava um moleque que eu nunca tinha visto, mexendo no celular, tão magro que, se visto a distância, não daria pra saber se estava de pé ou plantando bananeira. Usava um boné e tinha uma expressão relaxada na cara. Achei graça das tatuagens que fechavam a perna direita dele, nem dava pra entender o que eram, mas se eu tivesse uma perna fina que nem aquela, nem fodendo que eu me daria ao trabalho de tatuar como ele fez.

Me olhando por sobre o celular, acenou com a cabeça e abriu o portão, a atenção ainda focada na porra do celular.

A porta de entrada estava aberta e fornecia acesso ao corredor que cortava a casa e levava ao quintal dos fundos, que foi onde eu percebi que a maioria dos caras estavam. Kalil foi o primeiro a me abordar, sorridente, com um cigarro na mão.

— Juro pra você, cara, que eu fiquei pensando que você não ia achar a casa aqui — ele comentou, brincando.

— Já tem tanto tempo que eu não venho nessa porra que até eu pensei.

— Agora sim juntamo' as nações unidas — o da Caboré surgiu por trás de mim, rindo, com uma cerveja na mão.

— Nações unidas? — não entendi.

— É, porra. Tem o Kalil aqui que é lá do povo do Bin Laden...

— Bin Laden o seu cu, maluco — reclamou Kalil.

— Tem o Russo e agora tem você, o Alemão. A gente tá precisando agora é de um japonês, um americano, um africano... se bem que africano é o que não falta nessa porra, né não, ó, Vira-Vira? — ele gritou alto pro Vira-Vira que tava trocando ideia com o Maneta.

— E você tá aqui pela capital ainda, chupa bola? — perguntei pro da Caboré, tendo a leve impressão de que ele tava ficando alto. — Mudou pra cá, foi?

— Pô, Alemão, tu tá ligado que os negócios não esperam, e daqui pra baixada é, ó — ele estalou os dedos, piscando pra mim ao mesmo tempo. — E a rapaziada aqui não aguenta ficar sem o macho por perto, por isso, eu tô sempre subindo.

Apertei a mão dele, rindo, e passei pro Russo que tava destacado, próximo ao muro.

— Tá escondido aqui por que, irmão? — perguntei, me pondo ao lado dele.

— Tentando ter paciência com a língua solta do da Caboré — respondeu, braços cruzados.

— Bichão fala, hã?

— E ainda o Kalil me inventa de deixar trazer bebida pra cá, aí é pra foder com tudo.

— Mas e você, meu bom, como é que você tá? Tá sumido, que eu fiquei sabendo que você tava fora.

— Resolvendo o que tinha de ser resolvido, como sempre — explicou.

— Fiquei sabendo também que você tava com saudade do teu grandão aqui, que o Kalil me falou que você fazia questão que eu estivesse presente.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora