Quando me viu chegando, o arrombado me olhou como se morássemos juntos na mesma casa e ele tivesse esquecido a chave.
Embiquei o carro na entrada da garagem, parando bem ao lado dele. Nem me daria o trabalho de sair do carro pra conversar com aquele saco de vacilo. Apenas abaixei o vidro e o encarei, esperando a ladainha que, com certeza, ele estava esse tempo todo em que tinha me esperado, ensaiando.
— Eu vou confessar que esperava que você fosse chegar mais tarde — ele falou, sorrindo. — Bem mais tarde, por sinal.
Resmunguei.
— O que foi? Desaprendeu como usar a porra do celular, caralho?! — reclamei.
— Eu realmente podia acertar nosso encontro por celular — ele fez bico. — Mas não sei. Algo me diz que se eu fizesse isso, você daria um jeito de me dar um perdido.
— Que merda que você quer?
— Ora, eu estou aqui apenas para recolher o dízimo, como o pessoal da igreja da sua mãe costuma fazer.
— Porra, maluco — encostei minha cabeça no banco do carro. — Minha noite já não tá essas coisas e você ainda me aparece aqui pra me perturbar, vai se foder.
— Sério? Pela comemoração lá no seu antigo bairro, eu pensei que essa noite estaria indo às mil maravilhas pra você.
Bufei, tentando reorganizar meus pensamentos.
Eu não devia ter cheirado tanto depois de me entupir de churrasco. A combinação não tava indo muito bem pra mim.
— É o que dessa vez? — perguntei, de olhos fechados, a cabeça ainda apoiada no banco. — Dinheiro? E tem outro motivo pra puta se arrastar atrás de mim?
Ele riu.
— Exatamente. A sua puta aqui tem uma esposa e filhos ansiosos pelas coisas que você pode nos proporcionar.
— Quando é que isso vai parar, maluco? — abri meus olhos, encarando ele.
— Em breve.
— Em breve a minha pica! — exclamei. — O quê que eu vou ter que fazer pra você entender que a minha paciência, que já não é muita, tem um limite? Vou ter que invadir tua casa e dar fim na piranha da sua mulher e deixar só teus filhos pra trás de aviso? Aí eu deixo nas suas mãos, cada deslize que tu der, é uma cria sua que vai pros quintos dos infernos.
A expressão debochada dele desanuviou, mas não vi um sinal de medo por ali, nem de receio, talvez. Ele ficou neutro. Completamente neutro.
— Colocaria tudo a perder por causa de uma mixaria? — ele perguntou.
— Maluco, você não pode entrar nesse jogo que você tá querendo sem ter coragem de abrir mão das suas garantias. Jogo de azar é assim: mais cedo ou mais tarde, você vai perder, nem que seja só uma partezinha, daquilo que você conquistou e do que você já tinha, antes de entrar no jogo. Um sujeito que aparenta ser esperto como você, já devia saber disso.
— Isso passou pela minha cabeça uma vez ou duas, vou confessar — ele se aproximou mais do carro. — Por isso, não é o tipo de jogo que tenho planejado para nós. Eu vou ir embora, Alexandre. Pode ter certeza que, quando menos você esperar, eu vou sumir da sua vida pra sempre, mas eu não posso confiar em você, então, quando isso acontecer, você terá de ficar de fora do círculo de pessoas que saberão da minha partida.
— Rapaz... eu não tô com cabeça pra ficar ouvindo essa sua conversa fiada.
— Tá vendo como eu não sei de tudo. Dada a festa que seus amigos organizaram lá, eu tinha por mim que te encontraria aqui de bom humor — ele falou, voltando a sorrir. — O que me levou a pensar numa certa coisa... será que os seus amigos organizariam algo assim caso você saísse da prisão após uma longa estadia por lá?
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Declínio
Misterio / Suspenso"Eu queria devorar esse moleque. Me sentia plenamente capaz de passar a noite inteira traçando ele, até meu pau esfolar. Meu peito tava agoniado. Em parte, eu queria respeitar ele, cuidar do moleque porque ele merecia demais essa atenção. E, em par...