Tinha gente pra caralho na casa do Café.
Antes mesmo de entrar, eu já tinha sido envolvido pelo cheiro do churrasco... no quintal de entrada, uma rapaziada jogava dominó ao redor de uma mesa, numa gritaria da porra; acusando uns aos outros de roubo.
Cumprimentei com um aceno de cabeça e lá dentro fui encontrar a Milla na cozinha.
Sei que não devia, mas a primeira coisa que me ocorreu foi me lembrar da última conversa que tive com ela...
E, segundo me parecia, ela deve ter se lembrado disso também, pois assim que notou algo diferente no meu olhar, ela apertou os olhos como se dissesse: "aqui não". Assenti com a cabeça e segui Café até os fundos da casa, onde subimos pela escada até a laje, a mesma laje onde eu tinha marcado um encontro com ele lá em Venceslau tempos atrás... no dia, eu tinha levado o moleque comigo e a Milla tinha me ajudado a enrolar ele pra que ele não desconfiasse que eu tava fazendo merda... se eu tivesse tomado juízo e deixado essa porra pra lá, tudo isso aqui não estaria acontecendo, pensar naquilo deixava um gosto amargo na minha boca e não tinha açúcar no mundo que me aliviasse essa sensação.
Lá em cima, encontramos o Gordo, o Miguela, o Ticão e o Galo Cego trocando ideia ao redor de mais uma mesa, jogando dominó também.
Eu não esperava encontrar o Galo Cego por ali...
Aí, os caras que o Café não queria incomodar com meu pequeno problema, senti minha respiração pesar dentro do peito, mas mandei pra baixo toda aquela insatisfação.
Cumprimentei um por um e parei ao lado do Gordo... era com quem eu melhor me dava entre eles.
— Miliano que num te vejo, Alemão — Galo Cego exclamou, com o cigarro de maconha apertado no canto da boca. — Tá grande pra caralho... e essa barbona aí, hã?
Confesso que o cheiro atiçou minha vontade de dar uma tragada.
— E você continua mais feio do que nunca, vai se foder — dei risada e não era nenhum exagero. Como podia se supor, "Galo Cego" não era um apelido atoa e ele realmente tinha um olho meio estranho. Tava mais magro que o normal e seu rosto tava muito anguloso pro meu gosto, como se tivessem socado um bagulho de sucção no cu do filho-da-puta que puxou qualquer vestígio de gordura pra fora. Ele era branco, mas o rosto tinha aquele rastro de sol que não se deixava enganar.
A minha surpresa por ele estar ali é que ele passava ser um dos "grandes", e ter se bandeado por lado do Café era uma verdadeira faca atravessada nas costelas do Kalil. O Galo Cego chefiava o Progresso, uma ala ou "sintonia" como a polícia e a imprensa gostava de chamar, que era responsável pela administração das vendas das drogas, só que no varejo, que o deixava mais próximo da ação do que o pessoal da ala irmã, a FM, que cuidava do atacado.
Ter esse filho-da-puta correndo junto com ele, era um trunfo que eu não esperava que o Café fosse conseguir tão depressa.
Aquela merda que aconteceu lá no churrasco já tá dando resultado, pensei amargamente. O Russo tava certo... o Baja foi o primeiro a dar pra trás... mas não vai ser o último.
Outra coisa que me chamou a atenção naquela porra era o fato do Josué não estar por ali.
Acho que se tivesse também, o Café não teria me trazido pra cá.
— O cara se acha o galã de novela só porque é branquinho, tem o cabelo meio claro, o olho meio azul... — Galo Cego foi debochando, enquanto cutucava o braço do Gordo.
— Você é branco também, ô vacilão — Gordo retrucou.
— Mas não que nem ele... eu tomo sol, pelo menos.
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Declínio
Mister / Thriller"Eu queria devorar esse moleque. Me sentia plenamente capaz de passar a noite inteira traçando ele, até meu pau esfolar. Meu peito tava agoniado. Em parte, eu queria respeitar ele, cuidar do moleque porque ele merecia demais essa atenção. E, em par...