O verme já nem tinha mais fôlego, constatei ao acertar a décima, vigésima bicuda na barriga dele, sei lá quantas tinham sido.
Encolhido no chão, encostado na parede, ele se remexeu feito um animal velho a beira da morte. A cara já tava toda arregaçada e não foi a minha raiva que tinha diluído, mas as minhas pernas e mãos que estavam cansadas de bater.
— Entendeu o meu recado agora, ô filho-da-puta?! — exclamei, me distanciando uns passos pra ver seus olhos que disputavam o brilho da luz do poste, mais atrás, com o sangue em seu rosto que já estava coagulando. — Pra você entender que eu não dou segunda chance pra cuzão que nem você. Nem a primeira, eu costumo deixar... safado que nem você tem que cortar é pela raiz logo — que vontade da porra de dar uns dois tiros, pelo menos, mas me contive, sabendo que o pacotinho ainda tava no meu bolso. — Mas aproveita a chance, verme do caralho. Aproveita, porra. Agora, se você ao menos olhar pra ele, caso ocorra dos dois se trombar por aí, é pescoço, seu cuzão do caralho! E não é nem pra deixar isso acontecer, entendeu? Se você se ligar que é ele que tá na mesma rua, corta caminho, se enfia de baixo do chão, voa, dá seus pulo. Porque se eu souber... ah, maluco. Aí não vai ter nem corpo pra sua mãe poder chorar depois.
E, de aviso, dei mais uma bicuda nele e joguei a bituca de cigarro que estava quase no fim sobre sua cabeça. Que queimasse, aquela porra.
Por mais que eu tivesse dito a mim mesmo que isso; picar a porrada nesse comédia, iria me apaziguar um pouco, descobri estar redondamente enganado, enquanto dirigia pra casa. Tá ligado quando você sente como se tivesse a porra de um bolo de meia entalado na garganta? Sentia como se tivessem pesos pressionando meu peito de dentro pra fora.
Quando cheguei em casa, peguei ele, meio arrumado, na sala. Acho que pronto pra sair.
Eu não queria pensar nisso, mas não tive como evitar. Minha cabeça não quis seguir outro caminho que não fosse a certeza de que era pra lá que ele pretendia ir.
Que porra, mano.
Por que isso tinha que acontecer comigo?
— Chegou agora... — Mateus comentou, sem graça. — Pensei que você fosse na fita com o Roberto pra...
— Fita com o Roberto? — o interrompi, me aproximando um único passo. — Quem te falou sobre isso?
— Eu ouvi o Torquato comentando com o Tatu.
— Você tava na boca?
Ele não quis responder.
Senti aquela dor agoniante ao ver a expressão preocupada e ao mesmo tempo cansada dele. O Mateus era tão bonito, cara.
Pele moreninha, aqueles olhos meio apertados e escuros. Ele tinha um maxilar meio arredondado e batia um pouco abaixo dos meus ombros. Ele sempre foi magro, mas tinha emagrecido muito nos últimos meses e, ainda que ele tentasse meter o louco pra cima de mim, eu já tava ligado do porquê.
— Você tá indo encontrar aquele filho-da-puta, não tá? — fui obrigado a perguntar.
Ele abaixou a cabeça, suspirou e quando voltou, sei lá cara, me parecia que estava sem dormir há, pelo menos, uma semana.
— Não, Alemão. Claro que não. Eu te peço perdão de novo por isso, eu quero que você me perdoe. Eu... eu nunca mais vou fazer esse tipo de coisa. Eu só fiquei... ah, eu só fiquei bravo com você por causa...
— Bravo? — tornei a interrompê-lo, desacreditado, dando um passo na direção dele. — E você acha que eu fiquei como, que eu ainda tô, depois de saber de tudo isso?
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Declínio
Mystery / Thriller"Eu queria devorar esse moleque. Me sentia plenamente capaz de passar a noite inteira traçando ele, até meu pau esfolar. Meu peito tava agoniado. Em parte, eu queria respeitar ele, cuidar do moleque porque ele merecia demais essa atenção. E, em par...