Capítulo Cento e Vinte e Três

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Antepenúltimo capítulo da segunda parte


Tínhamos chegado lá apoiados no que o Raul sabia; que o Kalil tava lá dentro — muito provavelmente acompanhado —, mas todo o conhecimento dele terminava aí, porque ele não fazia ideia do que o vacilão taria fazendo numa escola de samba e eu mesmo não conseguia pensar em nada.

Mas, me causou uma boa sensação ver que entramos lá dentro sem nenhum problema. Passamos pelo portão de entrada, cruzamos com várias pessoas vestidas com camisetas da escola e nenhuma delas prestou muita atenção em nós dois, totalmente destoados deles. Então, aquilo só podia me dizer que se o Kalil tava mesmo por ali, com toda aquela falta de cuidado, não devia tá acontecendo nada demais.

O que não podia se dizer do pessoal da escola em si.

O portão de entrada dava acesso direto ao pátio principal do bagulho. As pessoas se concentravam mais nos cantos, na frente de umas mesas enormes enquanto trabalhavam nas roupas e numas estruturas inacabadas; tudo muito colorido.

— Setembro ainda e eles já tão mexendo com isso? — Raul comentou, olhando confuso pra eles.

— É o ano todo ajeitando o bagulho, irmão — falei, embora não tivesse muito certo disso. Acho que era algo que eu tinha ouvido em algum lugar. — Você vê o show todo que eles fazem lá no Anhembi, todos os detalhes. Dá um trampo da porra.

— Eu acho muito louco, Alemão. Sem brincadeira, o negócio é bonito. Não entendo porra nenhuma das notas, da coisa toda, mas acho bonito.

— Esse ano, eu dei uma raspada lá. O Kalil mesmo que me arrastou.

Um cara gordinho passou do lado e nos cumprimentou com a cabeça, enquanto sorria, como se fôssemos amigos. Apenas retribuí.

Eu já tava pra perguntar pro Raul se ele tinha ouvido direito isso do Kalil estar por ali, quando vi o filho-da-mãe no corredor que cercava o segundo andar do galpão, que parecia funcionar como um tipo de arquibancada. E pelo jeito como me olhava, tive a certeza de que ele havia me visto primeiro, e não tava sozinho.

Abrindo um sorriso, ele desceu pro pátio acompanhado do sujeito e conforme se aproximava, foi abrindo os braços pra mim.

— Como as coisas são, Alemão — falou, apertando a minha mão e já me puxando pra um abraço. — Eu tava pensando em você uns instantes atrás, você acredita? E como é que você tá, meu irmão?

— É... — eu não tinha muito a dizer sobre como eu "estava".

Ele se ligou depressa e ficou meio embaraçado.

— Que pergunta a minha... vacilo meu, cara, vacilo meu — ele pôs a mão no meu ombro e desviou o olhar por alguns segundos, nada demais. Quer dizer, não pra mim, mas nem foi preciso que eu olhasse muito pra reparar que o Raul e o outro maluco estavam completamente deslocados da situação. — Eu acabei de falar que tava pensando em você e dou uma dessas agora. Porque, o que eu tava pensando agora pouco era justamente sobre essa merda aí, imaginando como é que tava a sua cabeça depois do que aconteceu. Fiquei preocupado com você, irmão. Tô preocupado até agora, pra falar a verdade. Mas a gente vai trocar uma ideia daora, pode deixar — e aí ele se lembrou de que não estávamos apenas ele e eu ali e se virou pro maluco ao lado dele: — ah, e cadê a minha educação, rapaziada? Esse aqui é o Miltão, já conheceu ele, Alemão?

— Já, pô — falei, apertando a mão dele.

— Lembro bem do grandão aí; ele até acompanhou a gente no último desfile — o tal Miltão falou. Era um gordinho que se tivesse um e sessenta era muito, mas tinha cara de gente boa.

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