Capítulo Cento e Trinta e Seis

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Era ele mesmo.

Todo sujo, sentado com a cabeça baixa e os braços apoiados sobre os joelhos, nem parecia estar ali de verdade.

Mesmo quando eu parei o carro diante do portão e desci, ele não esboçou reação. Só foi acordar quando eu parei diante dele e o chamei:

— Rodrigo...

Finalmente, o vacilão ergueu a cabeça e me olhou, meio envergonhado.

E eu tinha dito que ele tava sujo? Rapaz... sujo era pouco.

No rosto dele não se viam manchas de sujeira de verdade, tá ligado, mas a pele dele tava toda oleosa, as bochechas meio avermelhadas e se não fosse o meu irmão, até que eu podia dizer que aquele tom mais escurecido na pele dele era do sol e não de sujeira, porque todos nós tínhamos em comum essa característica de ficarmos mais vermelhos e não bronzeados quando tomávamos muito sol.

Ele usava uma camiseta branca toda manchada e com uns rasgos perto da gola como se alguém tivesse puxado ele com tudo. A bermuda parecia melhor porque era toda estampada — me lembro de ter comprado aquela porra pra ele e ter pago uns trezentos conto nela — e ele usava um chinelo verde desbotado. Os pés estavam tão sujos quanto o resto e não era sombra, irmão... o espaço entre os dedos estava todo preto e parecia meio pegajoso de suor.

— O que você tá fazendo aqui? — perguntei, franzindo a cara. Foi mais forte que eu. O estado dele estava deplorável.

A única parte que me tranquilizou é que, apesar de todo o resto, vi nos olhos dele que ele tava sóbrio e são. Pelo menos isso...

— Ah, eu... — ele arranhou a garganta, a voz falha como se não falasse há semanas. — Eu tô aqui um tempo já, eu... eu te chamei aí e vi que, que não tinha ninguém em casa, daí eu... eu resolvi esperar você chegar.

— Pra quê? O que 'cê quer comigo?

Ele se levantou e foi esfregando as mãos nas coxas, como se isso adiantasse pra se limpar.

Sugeriu que queria apertar minha mão, mas parou no meio do caminho, falando, sem graça:

— Ah, foi mal. Minha mão tá toda suja.

Falei nada.

Apenas estendi eu mesmo a minha mão e esperei.

Receoso, ele olhou pra mim, pra se certificar e entendendo como um sim, ele apertou minha mão; um aperto mole do caralho que eu tive que compensar apertando forte a mão dele. Tava soada, mas não me importei.

Caralho, como ele tava magro.

Até a mão, mano, parecia mais ossuda do que eu me lembrava.

— E então... o que você quer? — perguntei e ele abaixou a cabeça de novo. Um esforço do cão pra poder me encarar; até parecia que eu tinha virado a porra da Medusa e iria transformar ele em pedra só com o olhar.

Só que ele decidiu me surpreender e me olhou fundo nos olhos quando respondeu:

— Eu vim pedir ajuda pra você.

Soltei uma risada amarga.

— Ajuda? — repeti, erguendo as sobrancelhas. — Logo você tá vindo aqui me pedir ajuda? Mas não foi você que me disse que a gente não era mais família, que você não tava nem aí pra mim, pro que eu achava, que eu me fodesse?

Ele abaixou a cabeça.

— Acabou o dinheiro, Rodrigo? — provoquei. — O dinheiro que o filho-da-puta do federal te deu pra você me foder já acabou?

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora