Capítulo Cento e Dezessete

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Nessas horas, você nem tem como pensar direito.

Soube disso porque foi dar os primeiros passos, correndo, pra fora do carro, que me veio à cabeça, num lampejo, a dúvida se eu tinha puxado ou não o freio de mão ao estacionar o carro. Ah, que se foda.

Meu dia tinha começado perfeito, mano. Absolutamente perfeito, mas senti como se tivessem enfiado meio quilo de carne queimada na minha garganta quando vi aquele inseto do irmão do Ismael segurando minha irmã no chão pra aquela vagabunda da mãe dele bater nela.

Cheguei já sentando o pé nas costas dele e o desgraçado rolou pelo chão.

A filha-da-puta até tinha me notado, mas eu tava de pé e ela meio abaixada, o que me deu total facilidade de puxar ela pelo braço e jogar ela pro lado feito um saco de lixo.

Vocês não têm nem ideia do tamanho da ira que se apossou de mim naquele momento.

E eu tava ligado que, se tratando de mim, não parecia ter muito peso falar que eu tinha ficado enfurecido com alguma coisa, porque eu me irritava fácil que só a porra, mas ali era uma situação completamente diferente.

Pelo que eu tinha entendido, minha irmã havia passado anos - ANOS, CARALHO -, sofrendo na mão daquele satanás e no último instante, eu peguei ele já morto, sem poder descarregar minha raiva em cima dele e ali, eu via o lixo do irmão dele que era parecido que só a porra com o desgraçado do Ismael; minha cabeça trouxe toda aquela sensação amarga de impotência pra dentro da minha boca, feito leite fervendo.

Era como se eu tivesse vendo o próprio Ismael batendo na minha irmã.

Então, fazia tempo que eu não enlouquecia assim...

Vai, proporcionalmente falando, porque eu tinha me sentido assim quando peguei aquele capeta em cima do meu moleque e pouco depois quando o cuzão do federal assumiu que tinha dado a ordem, mas tirando essas ocasiões, tinham anos que eu não perdia o controle como eu sabia que iria fazer.

Que maluco mole do caralho.

O primeiro soco que eu encaixei na fuça dele, os olhos do arrombado rolaram, como se ele fosse perder a consciência - ok que ele já tava caído no chão e assim que eu amassei o nariz dele, deu pra ouvir a nuca batendo contra o asfalto.

- Acorda, seu frouxo do caralho! - gritei, dando mais um soco na cara dele. - Não foi homem pra ir pra cima da minha irmã?! Fala! Não foi?! Vai ser homem pra me enfrentar também, seu lixo do caralho!

E foi sem massagem.

Um murro atrás do outro. Não demorou muito e já não se via os traços da cara dele; só o borrado da minha mão subindo e descendo e o vermelho se espalhando. Que morresse, verme dos infernos.

- Sai de cima do meu filho, seu desgraçado! - Mirtes berrou atrás de mim.

Dei só uma pausa pra olhá-la por cima do ombro e a vagabunda não conseguiu dar dois passos, porque minha irmã veio por trás dela, a puxando pelo cabelo.

Atordoada, a filha-da-puta tentou se desvencilhar, mas a ira que eu pude ver nos olhos da Helena... maluco, eu mesmo não a reconhecia. Com as duas mãos agarradas ao cabelo da outra, minha irmã a sacudiu de um lado pro outro feito um cachorro com a presa nos dentes. Foi só o tempo de ela obter espaço e conseguiu virar um murro ou um tapa; não deu pra ter certeza, na fuça da vagabunda que rodou pro chão. Naquela porrada, eu pude sentir a distância os anos e anos de raiva contida.

Confesso que ver minha irmã se vingando à maneira dela lavou um pouco a raiva que aflorava dentro de mim, mas senti que não era o bastante. Voltando minha atenção pro arrombado que segurava meu braço com a força de um gato, tentando me afastar. Virei mais um murro na fuça dele e no segundo, puxaram meu braço pra trás com tudo.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora