Capítulo Dois

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Eu poderia ser aquela pessoa que fará você se sentir daquele jeito

Avicii – I Could Be the One


Eu não queria acreditar.

Melhor do que ninguém, eu sabia que não tinha moral alguma para questionar qualquer merda que alguém fizesse, mas porra... eu tinha feito de tudo; fui até as últimas consequências pra poder sair da vida torta que eu levava. Daquela pressão; daquele medo de que, a qualquer momento, a casa ia cair. Que alguma coisa daria errado, que os vermes podiam invadir minha casa e me levar, que algum filho-da-puta de merda podia me apunhalar pelas costas e colocar tudo o que fiz a perder — como quase aconteceu tantas vezes que já não posso nem contar —, e pra quê? Pra justo quando eu me desvencilhasse daquela vida, o cuzão do Ademir me arrastar pro buraco de novo.

Me impondo calma, suspirei.

Suspirei e suspirei.

— Calma, cara. Parece até que vai enfartar — se levantando, o otário veio até mim.

— Então, quer dizer que você resolveu tudo — ironizei, dando uns tapas no braço dele. — Agora, 'cê é o cara dos negócios. Amanhã vai tá lá na Wall Street vendendo as ações da transportadora na bolsa, né bichão?

— Por que você tá falando isso?

— Me fala logo o que você ofereceu pra eles.

— Relaxa, Alexandre. Tem que fazer nada demais não...

— Então fala logo qual é a merda que você prometeu.

— Calma... — entoou ele se afastando aos poucos. — O Tobias não falou de marcar um almoço pra acertar todos os detalhes? Pois então... eu mesmo não tenho muita certeza, mas lá vamos ficar sabendo de tudo, já que...

— Que porra é essa que você tá me falando, Ademir? Como assim você não sabe o que os caras querem em troca?

Fazendo bico, ele acendeu um cigarro.

— Coisa simples... nada demais. Confia em mim.

— Coisa simples — repeti, sem poder acreditar. — O cara tava aqui falando que já tava tudo certo, que só precisava oficializar e você é burro o bastante pra acreditar que eles vão querer coisas simples?

Ademir estalou a língua, fazendo pouco caso.

— Essas coisas são assim mesmo...

Inspirei profundamente... pra tentar me controlar e não permitir que eu deitasse aquele burro do caralho no soco.

— Comeu bosta, caralho? — cuspi, após parar de andar de um lado para o outro. — Um edital desse tipo leva tempo pra terminar, porra! Meses, talvez até mais de um ano. Você não conhece esse tipo de gente não, arrombado?!

O filho-da-puta me olhou como se eu tivesse enlouquecido.

— Tipo de gente? — recitou, erguendo os ombros. — Que tipo de gente? Isso aí é só governo... o que mais sobre eles a gente precisa saber? Os contratos com as lojas online tão rendendo tanto quanto as remessas pesadas, é verdade. Mas quanto mais tivermos e mais estáveis forem os contratos, melhor! E qual contrato pode ser mais estável do que um com o governo?

Apoiando minhas mãos na cintura, desviei a atenção para os copos espalhados sobre a mesa de centro, esperando que aquilo desafogasse a tensão que crescia dentro de mim. Não adiantou muito.

— Se o acordo com eles é tão de boa assim como você tá querendo me fazer pensar, por que não fala logo quais são os termos?

Ademir apenas riu, enquanto apanhava sua carteira e o paletó que estava jogado em cima de um dos sofás, seguindo rumo a porta.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora